segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Painel da Verdade

Com algumas excepções, quase não há uma tradição dramatúrgica em Portugal, no que aos grandes palcos diz respeito. O reportório é variado e a oferta muita, mas não há espaço para a criação de textos. Há muitas adaptações, pega-se em textos clássicos, contemporâneos ou modernos, às vezes até nos chega um ou outro texto muito recente e galardoado no estrangeiro. Existe um ou outra iniciativa - vêm-me à memória de repente o Maria Matos - mas o palco consagrado nacional não deixa espaço, salvo muito pontuais excepções - desta vez surge-me o nome dos Artista Unidos - para o escritor de teatro português. Daí que o teatro amador, para além da função pessoal e da função de angariação de públicos, possa servir para a experimentação de textos ou para o estímulo à criação dos mesmos. Neste sentido - como em todos os outros atribuídos ao teatro amador - a obra de Álvaro Cordeiro é consistente. Há um género em que se move mais à vontade mas, pontualmente, brinda-nos com uma súbita mudança de rumo.
O Painel da Verdade é um desses casos. Encomendado a propósito dos 200 anos da Igreja de Benfica, a peça traz-nos uma espécie de biopic de Pedro Alexandrino de Carvalho, mestre e pintor influente no Portugal do século XIX. Uma peça tripartida entre três personagens-tipo. A do pintor, artista consumido pela sua própria obra e que chega ao fim da vida constatando a sua falha para com os seus próprios desejos artísticos; a do popular, boçal, divertido, simples e familiar directo do português tipico que Bordalo Pinheiro haveria de imortalizar; e a simples mas honrada mulher do povo, mistura entre a cultura e o povo, representada nos outros dois. A fórmula da peça não é nova. Um drama histórico, localizado na Benfica de 1809, que por um lado nos conta a história do pintor e por outro nos vai conjecturando na sociedade de então, nos costumes de então, no Portugal de então. Em Hollywood, perceberam que funciona há largos anos.
O que é interessante em O Painel da Verdade é o conceito das personagens em si, porque só com três personagens se constroi essa dicotomia cultura-povo, rico-pobre, que esses tais filmes de época de Hollywood levam horas e dezenas de personagens a transmitir. A tese (o pintor), a antítese (o popular) e a síntese (a mulher do popular). Não é preciso mais que isto. Paulo Vaz é o pintor em causa, numa personagem ingrata porque não se dá a extravagâncias ou a grandes elaborações. Extravagante é o mínimo que se poderá dizer do zé-povinho caricatural que Vicente Morais interpreta - ao nível do melhor Bordalo Pinheiro. Mercedes Rebelo é segura, como sempre, no papel conceptualmente mais interessante. Interessante porque sintetiza em si a visão da mulher do autor. A mulher como a única capaz de entender quer o culto, quer o humilde, e como a única capaz de realizar a dialéctica entre os dois. É a mulher que em tudo manda e que em todos opera. Como na vida. Naquilo que se disse acima serem as funções do teatro amador, O Painel da Verdade cumpre-as todas. Tem reposição marcada para Janeiro, na Igreja de Benfica.

Título: O Painel da Verdade
Autor: Álvaro Cordeiro
Elenco e encenação: Mercedes Rebelo, Paulo Vaz e Vicente Morais.
Música: Luis Costa da Silva

2 comentários:

Anónimo disse...

odiei, uma chatice,,,,,

Anónimo disse...

Adorei. Estavam excelentes.