sábado, 20 de junho de 2009

Menina Else


Boa parte da beleza do teatro e da capacidade de nos prender vem da conversa em palco. Não da conversa no sentido textual da palavra, mas do diálogo entre os actores e da sua boa relação e reacção entre si. Daí que o monólogo seja arriscado. Se não houver conversão do texto em diálogo, a capacidade de prender o público perde-se. Em Menina Else, Rita Durão faz do texto de Schnitzler um diálogo constante. Ora connosco, ora com os intervenientes a sua história, mas na maioria do tempo consigo própria. O texto de Schnitzler é em si auto-suficiente e um prodígio como peça teatral, mas a interpretação de Rita Durão e a encenação de Christine Laurent dão o mote à exploração do essencial, a cabeça de Else. Else é uma jovem adolescente vienense que, enquanto de férias e afastada dos seus pais, se vê defrontada com a derrocada finaceira da sua família. Obrigada a pedir um empréstimo a um velho amigo da família, rapidamente aprende que tudo tem contrapartidas.

Há algo de estranhamente contemporâneo no texto de Schnitzler. Conjunturalmente, para começar. Na forma como uma jovem burguesa (e "burgueses somos nós todos", sentenciava Cesariny) se mostra fútil e despreocupada com tudo senão as suas férias e de repente desaba num mundo de dívidas e problemas familiares. Há algo de familiar com esta crise - não necessariamente com esta, mas com o sentimento de um crise que se abate. E depois, conjunturas aparte, há a modernidade do texto de Schnitzler que, do início do século XX parece conhecer melhor este século XXI do que a maioria que nele habita. É notório na proximidade do texto, na forma como o ritmo nos é agradável - com a devida contribuição de Laurent e Durão - e como nos revemos ou entendemos Else.

Menina Else é um texto construído de dentro para fora. Apartir da cabeça de Else. Aquilo que assistimos não é a história que é narrada, mas a forma como Else a viveu, a sua narração interior. Desta construção advêm várias consequências. Primeiro que o realismo da cena é subjugado à esquizofrenia inerente à mente de uma instável rapariga de 19 anos. O seu lado histriónico interior - aumentado ainda mais pela contenção exterior a que é obrigada - revela-se-nos totalmente. Vivemos assim a sua história, mais a parte de ser sua do que a parte da história. O que verdadeiramente interessa no texto de Schnitzler é esta capacidade de se meter na cabeça de outro, neste caso Else, e vivê-lo. Quem ganha com isto é Rita Durão. Um texto audaz e invulgarmente escrito que lhe permite viver a duplicidade de um rapariga de 19 anos. A contenção a vida exterior social e a explosão interior da cabeça de Else. O resultado de tudo isto é o diálogo. De Else consigo mesmo, com as suas dúvidas, inquietações e medos. Às vezes torna-se mais fácil falar sozinho.

Título: Menina Else
Autor: Arthur Schnitzler
Tradução: José Maria Vieira Mendes
Encenação: Christine Laurent
Elenco: Rita Durão

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