domingo, 9 de setembro de 2007

As Portas da Fortuna

Vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza de 2006, Golden Door, As Portas da Fortuna, é um filme que mistura, na proporção certa, uma noção estética de cinema com uma reconstituição histórica que tem tanto de importante como de real. Filme da autoria e realização de Emanuele Crialese, coloca-nos na vida da família Mancuso, uma família de pastores italianos, e da sua saga imigrante para a América, a terra dos sonhos.

Tudo começa, para nós, na altura que precede a decisão. E que, numa escolha que favorece a nossa compreensão da realidade familiar e social, não corre com destino à viagem. O filme deleita-se na descrição queiroziana de uma família rude, campestre e analfabeta, mas de uma composição humana extraordinária. Salvatore Mancuso, o viúvo chefe de família, é um homem cuja ambição de uma vida melhor lhe confere uma força interior capaz de degladiar todas as adversidades. O resto do agregado familiar compõe-se dos seus dois filhos, um deles aparentemente mudo, e da sua mãe, um verdadeiro paradigma da ligação maternal às raízes e à natureza, numa brilhante interpretação de Aurora Quattrocchi.

Nalguns aspectos, As Porta da Fortuna é um filme impressionante. Primeiro, na capacidade de gerir a necessidade de som. O contraponto entre a (boa) música do período americano do filme e do período do barco e do silêncio sepulcral que por vezes pontua as cenas na Itália mãe, servem o bom propósito de caracterização. Depois, a caracterização da moldura social dos imigrantes, quer no seu meio rural quer na viagem para a América, é de uma beleza e de uma veracidade, tanto estética como cinéfila, ao nível dos melhor exemplos, mormente O Vale era Verde.

Mas, ainda assim, o melhor no filme está naquilo que ele não fala. Está no que pensa. No que pensa Mancuso, nas histórias que lhe contam sobre a América distante, a Terra dos Sonhos. Rios de Leite na Califórnia e cenouras gigantes são metáforas do sonho imigrante que nunca teve expressão tão alta como na constituição do tecido social americano. Golden Door, numa referência ao poema de Emma Lazarus inscrito Estátua da Liberdade, interessa tanto como reconstituição histórica das intenções e sonhos de todo aquele povo como tratado sobre as bases dos Estados Unidos, útil, quem sabe, para perceber esse mesmo país nos dias de hoje.

Tudo isto junta-se para fazer de As Porta da Fortuna um grande filme, mas a verdade é que o filme subsiste a todo este enquadramento histórico e antropológico. Há, em As Portas da Fortuna, uma bela história de amor com momentos belíssimos. Há óptimas interpretações de Charlotte Gainsbourg e Vincenzo Amato. Há óptimas escolhas musicais. Há uma lufada de ar fresco contra um cinema que corre sem espaço para respirar. Há metáforas sociais e pensamento politico. Há verdade, cinematográfica e não só, em As Portas da Fortuna.

Título: As Portas da Fortuna
Realizador: Emanuele Crialese
Elenco: Charlotte Gainsbourg, Vincenzo Amato, Aurora Quattrocchi, Filippo Puccilo, Vincent Schiavelli e Massimo Laguardia.
Itália, Alemanha e França, 2007.

Nota: 8/10

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