segunda-feira, 30 de março de 2009

Che - O Argentino


É algo ingrato julgar Che - O Argentino por si só, quando sabemos que ainda vamos a meio do que Soderbergh nos quis dizer sobre o homem por trás do mito - ou sobre o mito em si. Esta é apenas a primeira parte sobre a vida de Ernesto Guevara na filmografia de Soderbergh. Em Cannes, a opção passou por mostrar as 4 horas de seguida. A nível comercial - porque é que há sempre este nível comercial? -, preferiu-se repartir o filme em dois filmes diferentes. Este é o lado vencedor de Che. Desde que embarca na loucura revolucionária cubana contra Fulgêncio Baptista, passando pelas conquistas em Sierra Maestra até à entrada triunfante em Havana - que nunca se vê, apenas se antecede. É a construcção de Che até ao mito, até se tornar nisso mesmo. Quando pegamos em Che - e isto apesar da construção narrativa de Soderbergh ser graciosamente descontínua - este é apenas o médico com ideais revolucionários. Quando o largamos, é já um revolucionário idealista. Daí a beleza do fim de Che - O Argentino. Um Che que já conquistou a entrada em Havana, que já dá autógrafos, que é idolatrado pelos cubanos, mas que se mantém fiel aos seus princípios e valores. (Espantosa a forma como repudia os primeiros sinais de que o espirito de justiça revolucionária é perene.)
A ambição de Soderbergh é tremenda. Não é apenas um biopic de Che Guevara que se pretende - o que já não seria tarefa fácil. Em termos construtivos, Soderbergh mistura as várias fases do processo de conquista de Cuba com a visita do Comandante às Nações Unidas - e que maravilhosa reconstrução. O resultado é, na generalidade, eloquente, porque as respostas e as intervenções do Comandante fazem mais sentido à luz das acções de Che. (O idealismo do revolucionário explica a revolução do idealista.) Em termos biográficos, Soderbergh prefere não idealizar Che, afastando-se da imagem de marca que pontua em t-shirts vermelhas e em cartazes espalhados pelos quartos do mundo. A imagem construída é na mesma benemérita para o médico argentino, mas não se limita a essa imagem pré-construída. (Felizmente, Soderbergh vai mais ao encontro de Che do que o traz até si.) Mantém alguns dos mesmos pontos - o mistério, o rigor, a justiça, o idealismo - mas confere-lhe alguma humanidade, para além do mito. Há um homem que se emociona quando matam um amigo, há um homem que não gosta de cobardes, há um homem que sofre de asma.
E, se há um homem, é graças a Benicio Del Toro. A construção de Che é tremenda, ao nível do que Seymour-Hoffman fez com Capote ou Penn com Harvey Milk. Com a diferença que a construção de Ernesto Guevara é, fisica e emocionalmente, bem mais difícil. Há muito escrito sobre e por Guevara. Construir a sua mente é desafiante, mas materialmente difícil. Mas os arquivos sobre Che e os testemunhos sobre Che são distantes e trabalhosos. Como trabalhoso é o ofício de Del Toro. Há trabalho no andar de Che, no tossir asmático, no torcer de anca, nos sorrisos contidos, em todos os silêncios. Há trabalho de actor. Quando o Che Guevara intimida com o olhar e o respeito se sente em todos os que o seguem, é Del Toro quem se apoderou dele. À altura, a construção de Fidel por Demián Bichir, no limite de cair na caricatura, mas ainda assim poderosa pelo realismo. Tudo isto é, mais do que dirigido, permitido por Soderbergh, sensatamente experimentalista.
Título: Che - O Argentino
Realizador: Steven Soderbergh
Elenco: Benicio Del Toro, Julia Ormond, Rodrigo Santoro, Demián Bichir, Ramon Fernandez e Yul Vazquez.
Nota: 7/10

Sem comentários: