domingo, 31 de agosto de 2008

Aquele Querido Mês de Agosto


Muitas vezes o cinema português tentou filmar o Portugal profundo. Poucas vezes o conseguiu fazer convincentemente. Já houve um pouco de tudo. Tentou-se documentar, perceber, reinterpretar ou explicar. Aquele Querido Mês de Agosto é, provavelmente, a abordagem mais genuína. O distanciamento inevitável entre as gentes da cidade que vão filmar as gentes da terra acaba no momento em que cessam os julgamentos. Não se julga, nem bem nem mal. Não se louva a genuinidade daquelas pessoas e daquele ambiente, nem se sente a discriminação de um suposta superioridade da parte de quem filma. Mesmo a interpretação, quando a há, feita por amadores, ganha mais, não por uma eventual genuinidade amadora mas pela coerência, do que perde a nível técnico.

Mesmo a nível formal, o filme de Miguel Gomes, único exemplar português em Cannes, é um filme diferente da maioria das abordagens. Começa em jeito de documentário - e que documentário - e muda, a páginas tantas, para a ficção, acabando como começou. Assenta-lhe bem esta mutação que, em boa medida, serve o propósito último a que o filme se presta. Mostrar Portugal. Não o das aldeias ou das cidades, mas simplesmente Portugal. Quando vemos Aquele Querido Mês de Agosto, não podemos deixar de perceber que, diferenças culturais da grande metrópole à parte, todos temos um pouco do que estamos a ver. A abordagem de Miguel Gomes, ao começar com um documento sobre a população e terminar com uma história romântica ficcionada, permite-nos perceber que não são apenas histórias que pontuam. Há mais do que histórias engraçadas que se cruzam, há pessoas reais. A primeira parte de Aquele Querido Mês de Agosto torna toda aquela paisagem e aquelas pessoas numa realidade demasiado idílica e pictórica, apesar de profundamente verídica. A passagem para o formato ficcional (que se refere levemente a Capacete Dourado, de Cramez), que nunca esquece a essência do filme, é apenas uma justificação para vermos o retrato mais de perto e perceber que, afinal, também aqui há rugas, feridas e contrariedades.

Encontramos de tudo o que esperávamos nesta zona ao pé de Arganil que serve de fundo, e de mote. Nem mais - o excessivo estraga invariavelmente o quadro -, nem menos. O casal idoso que se atropela a falar, o homem que acredita ter sido curado por se cruzar com a procissão da santa da saúde ou Paulo Moleiro, o heroí/vilão da terra que ganha a vida a saltar da ponte em dias de carnaval, são partes desta pintura queiroziana que se traduz num impressionante fresco. Toda esta vida dava um filme, obviamente. Felizmente, deu um bom filme. Uma palavra para a fotografia - perfeita - e várias para o som. Nunca até hoje a música dita pimba tinha ganho conotação diferente disso mesmo. Aquele Querido Mês de Agosto percebe-a como o pano de fundo de toda esta gente. Tony Carreira, José Malhoa ou Marante são tão naturais neste ambiente como o som de fundo do riacho ou o cheiro a orvalho da floresta. Aquele Querido Mês de Agosto percebe-o.

Título: Aquele Querido Mês de Agosto
Realizador: Miguel Gomes
Elenco: Sónia Bandeira, Fábio Oliveira e Joaquim Carvalho
Portugal, 2008.

Nota: 7/10

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