sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

O Jardim

Ouvir Toranja, a certa altura das nossas vidas, tornou-se um exercício paradoxal de confronto interior com os nossos gostos. Se, por um lado, nos sentimos atraídos por uma música intimista e próxima que veio colmatar um espaço na música portuguesa, por outro era complicado não tremer de tédio pela repetição ad nauseum de cada vez que alguns singles – lembremo-nos de “Carta”, por exemplo – eram passados uma e outra e outra vez. Na rádio, no supermercado, no elevador, em demasiados sítios. A par disto, e aparte da vandalização comercial da sua música, havia ainda a sensação de que o som da banda precisava de dar o salto e amadurecer, correndo o risco de, caso tal não acontecesse, derivar perigosamente para apenas mais uma banda sem grande expressão na música nacional.

Entretanto os Toranja acabaram – ou hibernaram, o que para o caso é o mesmo – e Tiago Bettencourt parte para Montreal para gravar um trabalho em nome próprio, acompanhado de uma nova banda a que chamou Mantha. Que os Toranja tenham parado, a bem da sua renovação e reciclagem, saúda-se. Que Tiago Bettencourt, a face, a voz e – a julgar pelo novo álbum – um dos principais criativos da banda, tenha enveredado por outro projecto, também. Que tal tenha sucedido em Montreal, terra onde, com alguma pressão, os media musicais tentam ver nascer um novo centro cultural, ainda mais. Para os Mantha, Bettencourt chamou João Lencastre e, dos Dead Combo, Pedro Gonçalves e contou ainda com a participação de Howard Billerman, produtor e antigo membro dos Arcade Fire.

Daqui nasceu O Jardim. Comecemos por destruir algumas confusões que, com a publicidade feita à volta dos Arcade Fire, possa ter surgido. O Jardim não tem qualquer ligação com Arcade Fire. Não soa semelhante, não há pontos de ligação, não há uma adaptação à musica de Bettencourt. Nada. O que há é a forte presença de Billerman que, sem sombra para dúvidas, enriquece o álbum com algumas sonoridades que tornam as canções de Tiago Bettencourt, já de si belas, mais aprazíveis e ricas. É o caso, por exemplo, do coro longínquo em “Labirinto”. Mas há mais, muito mais, em O Jardim, do que esta produção bem conseguida.

O Jardim é um bom trabalho que mostra o que de melhor Tiago Bettencourt nos tinha mostrado em Toranja. Mais maduro e consistente, com canções – ainda mais do que músicas – com letras sempre poéticas e melodias, na maior parte das vezes, contagiantes. “Canção Simples” – que abre e fecha o álbum, numa versão escondida em dueto com Sara Tavares – é um caso exemplar de uma boa música que sofre grande probabilidade de ser estragada pela excessiva exposição radiofónica. “Labirinto”, “O Lugar” e “Voo” são outros bons casos de como a carreira de Tiago Bettencourt, aqui a começar na sua vertente pós-Toranja, pode bem vir a ser um caso sério a seguir.

Título: O Jardim
Autor: Tiago Bettencourt e Mantha

Nota: 6/10

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