segunda-feira, 9 de março de 2009

Transacções


De 12 de Março a 3 de Maio no Teatro Maria Matos, está em cena a peça Transacções, de David Williamson. Encenada por João Reis, com Catarina Furtado e Marta Furtado (dificilmente a coisa seria melhor para a imprensa colorida), a peça de Williamson entra no mundo da arte e dos marchands. Acompanhamos Loren (Catarina Furtado) na tentativa de vender Lavender Mist, um quadro de Pollock. Secundada pelo marido, ambos na antecipação de uma crise financeira, joga com as três propostas que lhe surgem. O desenrolar das ofertas transforma a situação num leilão e o adensar das relações entre Loren e os licitadores mostra quer uma marchand disposta a tudo, quer 3 licitadores com vidas privadas disfuncionais. O que a peça de Williamson pretende é simples. Transações - e esta não é de todo uma das melhores peças que temos visto no Maria Matos - é uma peça sobre os meandros obscuros da arte, do negócio que a envolve e dos seus interveninentes. Nada mais falso. Há uma parte sobre este tema sim. Fala-se de Pollock, da sua pintura, do seu temperamento. Esta parte soa a falso e colado com cuspo mas, mesmo assim, é a parte previsível sobre arte e pintura. Nada de muito grave. Depois temos a parte sobre o leilão, em que a peça se transforma num filme se suspense série-B dos anos 80 e, por muito estranho que possa parecer, esta é melhor parte da mesma.
Depois, de repente e sem avisar ninguém, a peça entra na vida privada das suas personagens e traz de lá o pior delas. Sem que saibamos porquê nem de onde veio tudo isto, somos confrontados com as taras e perversões sexuais das personagens que até aí tinhamos conhecido apenas como compradores de arte gananciosos - e felizmente. Sejamos mais claros. Música de suspense habitual (Hitchcock, Hitchcock, que foste tu fazer?), momento de tensão entre Loren e um milionário interpretado por António Durães - que, por mero acaso mesmo, é a personagem mais bem construída de toda a peça. No meio desta cena, em que se tenta ilustrar um desespero que origina uma espécie de prostituição da marchand, surge, sem apelo nem agravo, um enorme dildo preto. Perdões aparte pelo spoiler, a questão levanta-se. E daí? O problema que se levanta (sem trocadilhos) apartir do momento em que a peça entra num rol de contextos sexuais sem nexo nenhum é que surgem apenas duas saídas. Ou se torna uma comédia inconsequente e batida, ofuscando o trabalho até aí feito no campo do suspense; ou se tenta enquadrar tudo aquilo numa peça que se queria relativamente séria mas bem-disposta. Williamson, e o próprio João Reis, optam pela segunda, o que parece uma decisão sensata. Falhada, mas sensata. Sente-se claramente que a culpa, a ter de morrer casada, é do texto em si e que, com os pouquíssimos ovos de que dispunha, João Reis dificilmente poderia ter feito melhor. Quanto à sua encenação é uma surpresa suficientemente motivadora. Se, nalguns pontos, é indecifrável o que pretende; noutros apresenta soluções esteticamente interessantes e, numa peça onde se fala de pintura, pinta quadros de ambientes escuros e misteriosos. O resto, fora João Reis e António Durães, é um elenco sem especial relevo, uma actriz principal em modo piloto e um Maria Matos igual a si mesmo, com óptimas condições de produção.
Título: Transacções
Autor: David Williamson
Encenador: João Reis
Elenco: Catarina Furtado, António Durães, Carlos Gomes, Joaquim Horta, Lígia Roque, Mafalda Vilhena, Marta Furtado

2 comentários:

Anónimo disse...

Não posso deixar de sorrir quando leio o seu "artigo"... Embora saiba que os comentários ao seu texto devem estar protegidos pela democrática "análise" do autor do texto, sei que ao menos chegará a si e que o irá ler antes de o não autorizar a ser publicado.
Começa o seu belo texto fazendo referência ao facto de Catarina estar em cena contracenando com a irmã e dirigida pelo marido (dificilmente a coisa seria melhor para a imprensa cor-de-rosa, mas pelos vistos para si também...). Já agora fique sabendo que não acaba aí, Mafalda Vilhena é prima direita de Catarina e Marta. Erro vergonhoso - a personagem de Catarina Furtado não pretende vender Lavander Mist, mas sim um quadro que antecedeu o mesmo (aliás a dada altura da peça ela diz "4 quadros depois e deu-nos Lavender Mist").
Depois abrilhanta-nos vossa excelência com comentários redutores da trama da peça... Bastaria um pouco de investigação da sua parte (bastar-lhe-ia ler alguns artigos na internet) para perceber que infelizmente, a trama da peça acontece diariamente, não só em Nova Iorque mas também em Lisboa. As pessoas falam de coisas "coladas a cuspo" para darem um certo ar, mas pouco percebem do assunto (alguns até pretendem falar de teatro quando pouco ou nada dessa arte entendem)... e confesso que não continuo... fico cansado com os disparates do seu artigo... lamentável se é que pretende ser sério.

Gustavo Jesus disse...

Acho especial piada a comentários irritados que não dizem nada. Isto porque não gosta do que escrevi mas, em relação ao conteúdo - ou mesmo forma -, não diz nada.
Que Mafalda Vilhena seja prima de Catarina Furtado, pouco me importa. Acho muito belo que se trabalhe em família, mas em termos de peça, construção da peça e análise da peça, não me diz nada. Repare que utilizei a palavra peça 3 vezes - uma pessoa, como você, que decorou falas do texto, deve ter reparado de antemão. Isto para lhe relembrar que é da peça que falamos, e sobre esta, o caro sr. Monte disse zero.
Que eu tenha percebido que era Lavender Mist que se vendia é um erro, sim, mas vergonhoso nem no sistema de valores de Nietzsche. Que esse seja o maior erro que me aponta, diz mais dos seu comentário que do meu texto. Que eu tenha feito esse erro, diz mais do que se percebe da peça do que do meu texto sobre ela - excepto, claro, se decorarmos o texto.
Quanto ao que diz acontecer diariamente em Lisboa, a minha 'investigação' - palavra que lhe acho piada, sr. Monte - não demonstrou que empresários ricos tirem gigantescos dildos cinzentos de malas metálicas para actividades auto-penetrativas. Graças a deus não passou tudo de um piada, ninguém aqui queria ser sério. Decorou tudo?