domingo, 31 de maio de 2009

Autocarro 174


Começa a cansar este cinema brasileiro. O cinema de exportação brasileiro dos últimos anos bate insistentemente na mesma tecla. A tecla dos problemas sociais, das desigualdades, da questão do ovo e da galinha entre corrupção, violência e marginalidade. E, se no princípio era necessário e premente fazer estes filmes e desta forma, quando se tornou mais um hábito do que uma necessidade, perdeu a força explosiva que os caracterizava. Os geniais Cidade de Deus e Tropa de Elite são os cabeças de cartaz quando pensamos em filmes sobre as favelas brasileiras, mas outros houve pelo caminho. Um deles - de Padilha, nem de propósito - foi Ónibus 174, o documentário sobre o fatídico acontecimento que culminou na morte de uma mulher e de Sandro, o assaltante que se barricou num autocarro. E assim o cinema brasileiro achou um filão e sucesso, o de exportar as suas misérias sociais sobre a forma de dilema. Com uma ou outra variante - ora sobre o ponto de vista dos criminosos, ora dos polícias, ora procurando uma explicação sociológica, ora demarcando-se de qualquer justificação - mas o conteúdo e a forma eram, invariavelmente os mesmos. Míudo pobre da favela rouba, mata e esfola e acaba morto pela polícia em filme de registo dramático e ritmo intenso. Quando à máxima não se acrescenta nada mais, a fórmula gasta-se.
É a história do tal Sandro que se conta em Autocarro 174. Não tanto a história desse autocarro, mas a história desse míudo, de como se formou, de como sobreviveu a massacres na favela, dos seus gostos, das suas relações. A dada altura, é como se nos dissessem que, ali, naquele autocarro, poderia ser ele como poderia ser qualquer outro míudo daqueles. A desesperança e a profunda falta de escape de um mundo negro e tingido de sangue são tão generalizadas que é a força das circunstâncias que dita aquele comportamento desumano e frio. Não é tanto como se tentassem desculpar o criminoso - embora o sentimento de pena para com ele, a isso incite - mas mais como se o tentassem entender. Não a ele, mas a eles. Há, para além do profundo desumanismo de todo aquele contexto, um profundo desumanismo naquela vivência - e é neste duelo ovo-galinha que estes filmes brasileiros vão sempre viver: as favelas tornam-se violentas porque são marginalizadas ou tornam-se marginalizadas porque são violentas? Matar uma pessoa nunca significou tão pouco. Mesmo a nível gráfico, Barreto sabe explorar algumas mortes como exemplo disso mesmo. Do desinteresse total pela vida humana.
Mas há muitas coisas que Bruno Barreto não sabe fazer. Uma delas, e a que mais chama à atenção, é controlar o ritmo. Não que as mudanças de ritmo não sejam utéis, que o diga Robben. Mas Autocarro 174 vive como que perdido a rodear as cenas da vida de Sandro. Mostra algumas cenas euforicamente e correr a procurar a próxima, como se chocar fosse o único propósito e a intensidade fosse constantemente máxima. Entre a procura dessas cenas, não existe nada, nem ideia de filme, nem projecto de continuidade. Depois, quando as cenas se vão gastanto, corre-se depressa para o fim, para o autocarro e acaba-se em modo piloto, com deplorável piscar de olhos a um quase final feliz completamente a despropósito. Autocarro 174 é uma mistura banal de Cidade de Deus com Ónibus 174, sem especial interesse, e com a qual não aprendemos nada que não soubéssemos já. Fora isso, é um bom filme brasileiro.
Título: Autocarro 174
Realizador: Bruno Barreto
Elenco: Michel de Souza, Marcello Melo Junior, Chris Vianna, Gabriela Luiz, Anna Cotrim, Vitor Carvalho, Hyago Silva, Tay Lopez e André Ramiro.
Brasil, 2008.
Nota: 5/10

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