terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Tropa de Elite

O melhor do cinema brasileiro volta, uma vez mais, a ser uma fotografia cruel da pior realidade brasileira. Não há como começar a falar de Tropa de Elite com paninhos quentes e apanágios de entrada. Tropa de Elite é um complemento de Cidade de Deus. Cidade de Deus via a favela brasileira por dentro – e por isso ganha alguns pontos ao filme de José Padilha – enquanto Tropa de Elite a examina por fora. Cidade de Deus é a realidade que todos conhecemos exposta aos nossos olhos, Tropa de Elite é a nossa percepção dessa realidade no nosso contexto. Cidade de Deus é a visão do lado das favelas, Tropa de Elite a visão do lado da polícia. Seja qual for a preferência, ambos são do melhor que o cinema brasileiro exportou nos últimos anos. A provar que o cinema é, na sua essência e quando bem feito, um retrato visceral da sociedade em que vivemos.

Tropa de Elite é o relato do Capitão Nascimento, numa intensa interpretação de Wagner Moura, sobre o trajecto que o levou a abandonar o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), não sem antes encontrar um substituto à altura. De entre os candidatos que a dada altura se voluntariam estão Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro). A história destes dois jovens policias, relatada pelo seu instrutor do BOPE, é o ponto de partida para entrarmos no mundo das favelas brasileiras, da repressão policial, da violência gratuita e fortuita de um lado e do outro, numa discussão interminável, mas esclarecedora, sobre tráfico, corrupção, violência e justiça.

Em Tropa de Elite, somos confrontados com a forma de actuação dessa policia militar, especializada apenas em entrar em favelas, preparada para os piores cenários de guerrilha urbana. Tortura e assassínio são as armas utilizadas, sejamos claros e francos. Mas, ainda assim, José Padilha conduz o filme de forma a que os militares do BOPE sejam, aos olhos da maioria, a parte heróica do filme. Para isso, somos sujeitos a uma lavagem orgânica de modo a percebermos que não há inocentes nem isentos de culpa. Há violência, crime, corrupção e droga no meio do funk brasileiro que sai das favelas – e o elenco, raptado temporariamente durante as filmagens, sabe-o. E a isso, a resposta da sociedade é a repressão policial. Sem contemplações.

Mas há, para além da fotografia de um Brasil totalmente corrupto e perdido, que encontra a única resposta à violência na tortura, um bom filme. Um filme bem filmado, interessante, pleno de vida e intenção, na estrutura e na forma de abordar os diferentes prismas da questão, que assume, e bem, como demasiado complexa para uma avaliação a preto e branco. Em Tropa de Elite aponta-se um grande culpado para o estado de degradação de toda a comunidade: o jovem pequeno burguês que compra a droga que sustenta as favelas. O mesmo que condena a policia pela repressão violenta e cega. E o filho dos pais que a suportam. Por entre as acusações de extremismo de direita de que o filme tem sido alvo, permanece uma discussão acesa no Brasil a que ninguém se mostra indiferente. Concordemos ou não com o BOPE – e é difícil concordar –, concordemos ou não com o filme de Padilha, não é essa uma das funções do cinema?

Título: Tropa de Elite
Realizador: José Padilha
Elenco: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Fernanda de Freitas. Milhem Cortaz e Emerson Gomes
Brasil, 2007.

Nota: 8/10

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