terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Dúvida


Encenada entre nós em 2007, no Maria Matos, com interpretações de Diogo Infante e Eunice Muñoz, e peça de John Patrick Shanley tem agora uma versão em cinema, adaptada e realizada pelo próprio. Interessa tanto falar na peça quanto esta é a principal virtude (e fonte de defeitos) do filme. Dúvida é um extraordinário texto de teatro - que o comprova o Pullitzer que Shanley recebeu - com textos intensos e personagens marcadas que fazem a narrativa através dos seus contrastes. Com apenas 4 personagens se tece a peça, não precisando de mais, e vivendo também das personagens ausentes. Em termos teatrais, resulta na perfeição. O espaço exigido é minímo, as necessidades extra-textuais quase nulas e centra-se a obra no trabalho de actor. A adaptação cinematográfica de Shanley é como um desenvolvimento da peça original. Cria-se o colégio e a sociedade envolvente, trazem-se as personagens escondidas e inventam-se outras, nunca se esquecendo o ponto de partida. O melhor com que ficamos é a peça original - por ela ser verdadeiramente intensa. Os seus textos e os seus confrontos mantêm-se e em nada são prejudicados pelos acrescentos adicionais - pelo contrário, num ou noutro ponto podem até ser catalizadores. Mas esses mesmos "acrescentos" não só não trazem grande coisa de novo como, na maioria das vezes, são perceptivelmente superficiais e pouco explorados, o que chega a ser natural. A diferença de caracterização psicológica entre as personagens pré-existentes e as adicionais é notória e só não tem mais impacto porque o cerne do filme é, como na peça, a diferença entre a personagem de Seymour Hoffman e Streep.
Esta é, sem dúvida, a força motriz deste filme. De um lado Meryl Streep, no papel de um irmã austera, directora de um colégio paroquial na América dos anos 60. Símbolo de uma ideia de educação e de religião ligados umbilicalmente à tradição mais clássica, onde o mundo secular e o clérigo não devem ser imiscuidos. A austeridade de Streep é arrepiante - e para isso contribuem quer o extraordinário trabalho da actriz quer a direcção de actores de Shanley que se evidencia no início do filme - e a presença de um padre que se opõe, visceralmente, à sua conduta é o ponto de ruptura que origina a sua atitude persecutória. Este padre é Philip Seymour Hoffman, há muito catalogado e confirmado como um dos melhores actores de Hollywood do momento. Símbolo de uma igreja progressista e humanista, a personagem de Hoffman vê-se envolvida numa suspeita de pedofilia. A mestria de Shanley, em termos textuais, está na sua falsa imparcialidade - dir-se-ia mais que prefere optar, a tempos diferentes, por lados diferentes - que nos faz questionar sobre a inocência de Hoffman. Por vezes questionamos as suas opções, noutras julgamos a cegueira persecutória, claramente personalizada, de Streep. O melhor de tudo é exactamente a ausência de resposta e, como quase todas as personagens, permanecermos na dúvida. A dúvida nunca foi tão bem explicada. Nem o boato.
Tìtulo: Dúvida
Realizador: John Patrick Shanley
Elenco: Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams
E.U.A, 2008.
Nota: 7/10

Sem comentários: