segunda-feira, 18 de maio de 2009

Um Amor de Perdição


“A submissão é uma ignomínia”. Camilo Castelo Branco
É especialmente interessante ver Um Amor de Perdição à luz de O Crime do Padre Amaro, enquanto porta-estandarte de outro cinema português. Ambos adaptações modernas de clássicos da literatura portuguesa, ambos com elencos recheados de nomes sonantes. E, contudo, a diferença não podia ser maior. O primeiro é a prova de que é possível fazer cinema português mainstream de qualidade, com identidade e com noção de cinema; enquanto o segundo se esgota no modelo telefilme, corta e cola à novela portuguesa, sem grandes preocupações formais ou noções de conjunto. Um Amor de Perdição pega na premissa de O Crime do Padre Amaro - que se descobre agora não ser má à partida - e explora-a convenientemente, ao sabor do texto de Camilo e não das necessidades comerciais do filme. O local muda-se para Lisboa, as cartas entre os amantes naturalmente transformam-se em telemóveis e as profissões actualizam-se.
Simão é o símbolo de uma rebeldia sem causas de hoje, vindo de uma burguesia abastada, mas revoltando-se contra todoso. Inclusivé com a sua mãe (Ana Padrão estilizada), com o seu irmão (que aqui cria uma estranha relaçao incestuosa e pouco perceptível com a mãe) e com o pai (a austeridade mantém-se na personagem de Rui Morrison). Teresa, por Ana Moreira, é filha de Albuquerque, um antigo inimigo do pai de Simão. Como na Verona de Shakespeare, o casal proibido une-se, contra a vontade dos seus pais, que insistem em proibir a união e que forçam o desfecho trágico previsível. A história é trágica e dramática, mas, deste contexto, Um Amor de Perdição apenas nos mostra o trágico, no inevitável fim que a história, milenar, antecipava. Do drama, poucos sinais se mostram. O filme corre todo no mesmo tom, raramente se percebe o crescendo em direcção ao desfecho da intriga e, por muito que isso não afecte o registo trágico, peca por defeito na componente dramática do expectador. Não há alteração das personagens nem do filme face a tudo o que decorre. Se o filme não se emociona, como pode o público fazê-lo? - e isto apesar da exemplar música de Sassetti e da competente voz-off de Beatriz Batarda.
Tomás Alves no papel de Simão é não só uma óptima surpresa mas a matriz da acção do filme. Tudo acontece com ele, por ele ou para ele. A personagem torna-se ainda mais central nesta adaptação e a trama esquece Teresa - Ana Moreira, inatacável como em tudo o que faz - é uma personagem ausente, invisível e que não responde aos apelos amorosos em fúria de Simão. Mesmo a Mariana de Catarina Wallenstein é uma pálida resposta à personagem de Tomás Alves, nunca se afirmando completamente perante Simão, apesar de um amor também ele tão forte que culmina em nova tragédia. Falta corpo e compleixão física a este drama para que possa originar tanta tragédia. Um amor suicidário, como ensinou Camilo e antes deles Shakespeare, vive da força da paixão dos seus amantes. Não morre lentamente, como condenava Neruda, mata-se de paixões violentas. Aqui, de violento e apaixonado, apenas o Simão de Tomás Alves.
Título: Um Amor de Perdição
Realizador: Mário Barroso
Elenco: Tomás Alves, Patrícia Franco, Ana Moreira, William Brandão, Virgílio Castelo, Ana Padrão, Paulo Pires, Rafael Morais, Rui Morrison e Beatriz Batarda.
Portugal, 2009.
Nota: 6/10

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