segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Os Sorrisos do Destino


Quase todo o cinema português sofre uma critica atroz e cáustica - e muitas vezes certeira, acrescente-se. Ora porque se considera demasiado intelectualizado e se esgota nas suas referências e academismos, ora porque se apresenta como meramente comercial e vive de um marketing pós-televisivo agressivo. Como se o cinema português, mais do que qualquer outro, se dividisse em cinema comercial e cinema de autor, sem espaço para um cinema intermédio, que não viva das enchentes de público mas que também não as ostracize. Os Sorrisos do Destino, o último Fernando Lopes, é um exemplar interessante de como o cinema português pode ser de autor, interessante, com um cunho pessoal imenso, e mesmo assim ser atraente e cativante para o grande público. É certo que muitas das referências do cinema de Lopes passarão despercebidas à maioria das pessoas. Mas que interessa isso, se o filme passar na mesma, se o filme resulta mesmo sem as ligações a Bergman ou à própria cinematografia anterior de Lopes.
Porque no fundo, aparte toda a questão que costuma maravilhar parte da crítica, Os Sorrisos do Destino não passa de um bom, fresco e divertido filme sobre alguns dos temas de sempre do cinema - e até do cinema de Fernando Lopes. Rui Morrison e Ana Padrão interpretam um curioso casal em crise, até ao dia em que ele descobre, via sms, que ela tem um amante. Na saga das maiores vinganças passionais decide conhecer o outro homem. Mas, entretanto, acaba por iniciar uma relação de amizade com esse outro homem, interpretado por Milton Lopes. Deste triângulo, não apenas amoroso mas sempre relacional, nasce a força, o conflito e a tragicomédia deste filme aparentemente sóbrio mas com um sentido de humor completamente alienígena no panorama do cinema português. A personagem de Rui Morrison é de um construção que concilia, na perfeição, a naturalidade e a complexidade da personagem. É assim que, sem grande esforço, é capaz tanto da comédia simples de um gag ou de um quase-sketch como da seriedade de um homem amargurado e só. Milton Lopes é eficaz, refrescante e cativante sem perder a pureza a que o seu papel obrigava; e Ana Padrão encara com uma elegância bonita a personagem de esfinge que lhe coube, sabendo ser a mulher que o filme precisava, na mistura perfeita de sensualidade, enigma, realidade, conflituosidade e romantismo.
Percebem-se menos bem as personagens secundárias. Se é verdade que os papeis secundários por vezes secundam os principais pelo seu curto brilhantismo, a verdade é que em Os Sorrisos do Destino não há espaço para que isso aconteça. Rogério Samora e Alexandra Lencastre não têm tempo para mais que uma aparição, Cristovão Campos não tem por onde explorar a sua personagem e apenas Julião Sarmento ocupa o pouco espaço que tem com uma curiosa personagem que introduz as sms como motor de aproximação das personagens. Isto tudo porque o filme se centra demasiado, e bem, no triângulo principal, esquivando necessidade a tudo o resto. E ainda bem, porque é deste triângulo que nasce a comédia, o drama, os boleros, os cães que respondem a trechos de "Tristão e Isolda" ou os duelos de esgrima contra um espelho. Os Sorrisos do Destino pode não ser, como apregoam, dos melhores filmes de Fernando Lopes. Mas é dos mais sinceros na sua simplicidade que, por isso mesmo, resulta.
Título: Os Sorrisos do Destino
Realizador: Fernando Lopes
Elenco: Alexandra Lencastre, Rogério Samora, Teresa Tavares, Ana Padrão, Rui Morrison, Cristovão Campos, Milton Lopes e Julião Sarmento.
Portugal, 2009.
Nota: 7/10

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