sábado, 5 de janeiro de 2008

Call Girl

“Are you gonna bark all day, little doggy, or are you gonna bite?”
Michael Madsen em Cães Danados

A história de Call Girl conta-se rápido. Nicolau Breyner é um autarca alentejano que vem sendo pressionado para autorizar o abate de alguns sobreiros para favorecer um empreendimento turístico na região. Joaquim de Almeida é Mouros, um canastrão homossexual (conjugação incomum) contratado para assegurar que o autarca cede aos interesses da instituição em causa. Ivo Canelas é o investigador de serviço que, no seu jeito quixotesco e na companhia do seu Sancho José Raposo, assume a responsabilidade de travar esta teia de interesses. Soraia Chaves é Maria. Maria, a Call Girl, a prostituta de luxo, contratada para seduzir e ludibriar o autarca Meireles e antiga namorada de Madeira (Ivo Canelas).

Não há nada de errado no cinema mais comercial e mainstream português. Não há nada de errado também porque ele quase não existe, mas aparte isso, é dele o grande papel de trazer público às salas portuguesas. Assim sendo, louvamos que ele vá surgindo, sempre na expectativa de conseguir perceber um pouco de qualidade que ao género vai fugindo nos últimos anos. António-Pedro Vasconcelos é um dos nomes que mais confiança inspiram nesse papel, assinando filmes de qualidade e de afluência, como os imortais, por exemplo. Call Girl, nesse sentido, desilude.

Call Girl é um filme fácil – demasiado fácil –, um policial de ritmo rápido – se bem que por vezes se alongue em demasia – e um retrato de um Portugal real – corrupto, impune e onde, para o melhor e para o pior, tudo permanece sistematicamente na mesma. Mas é também um filme imediato, sem nada a esconder. No fundo um pouco como Soraia Chaves e a sua sensualidade. Soraia está, de facto, uma actriz mais madura do que em O Crime do Padre Amaro. Ou, por outro lado, está agora uma actriz. E a perfeição geométrica do seu corpo é inegável. Mas a sensualidade é também feita de um esconder com desfaçatez, de um olhar inato, que a actriz, na sua totalidade, ainda não possui.

De resto, mais um filme português volta a viver do talento imenso de Nicolau Breyner. Ivo Canelas é uma caricatura de si mesmo e das influências que anuncia (uma súmula das personagens de Cães Danados de Tarantino, com especial destaque para Mr. Blonde) mas, ao contrário delas, nunca chega a morder, só larda. O calão recorrente é uma boa opção para a realidade pretendida, mas por vezes cai em exageros, especialmente quando não é natural – atente-se nas diferenças entre Ivo Canelas e o experiente José Raposo. A sucessão de habitués nos filmes do género, de Virgílio Castelo a Joaquim de Almeida passando por Joaquim Leitão, ajudam a compor o ramalhete e nem António-Pedro Vasconcelos se inibe a dar o seu cheirinho.

Quanto a Call Girl, não entusiasma nem deprime. Passa rápido e sem grande atenção, fenómeno passageiro na cinematografia portuguesa, mas que nem por isso deverá deixar de ter grande sucesso nas salas. Ao menos isso, para o cinema português.

Título: Call Girl
Realizador: António-Pedro Vasconcelos
Elenco: Nicolau Breyner, Soraia Chaves, Ivo Canelas, Joaquim de Almeida, Joaquim Leitão, Ana Padrão, Virgílio Castelo e José Raposo
Portugal, 2007.

Nota: 5/10

1 comentário:

B. disse...

Toda a tua descrição de simplicidade, de facilidade, de ritmo, de um excelente Nicolau, de uma exuberante Soraia, que só lhe posso apontar os momentos mais dramáticos como menos conseguidos, porque de resto, está muito perto da perfeição, um ivo canelas que considero estar no top 5 dos melhores actores nacionais, e que não percebo como é que dizem que ele está histérico ou caricaturado, quando está mesmo muito bem, e lidou com o personagem como era suposto. Pode-se não gostar do personagem, isso é uma coisa, agora ele ter culpa de algum excesso do mesmo? Não...

O filme resulta, e depois de alice, para mim, não apareceu nada tão eficaz e com tantos pormenores bem conseguidos, como o filme do APV.

Realizador, que sempre considerou que o realizador deve ser ausente, não deve aparecer, e com a ausência de mercado em portugal, sendo que ele faz filmes para o público em geral, e não para um target de 200 pessoas, seria suicídio dar-se ao luxo de grandes planos poéticos.
Ele é da escola do Kazan e do Eastwood, não "inventam".
Ele vive normalmente de um bom script (ele não escreveu este, mas a ideia da historia é dele, e acompanhou o argumentista), e acima de tudo, de um trabalho de direcção de actores, acima da média. E neste caso, na minha opinião, mais uma vez fantástico.
Para se ter uma ideia da limitação do cinema em portugal, o APV filmou a cena do aeroporto em noite e meia...O Spielberg talvez filmasse em 2 semanas...E usou 39 planos, menos uns 12 do que apareceu na montagem final. A limitação é gigante, e se o resultado é um filme destes, acho que só se pode louvar.
Mas mesmo saindo dessa limitação, o filme por sim, sem ter conhecimento dela, é um bom filme, comercial é certo, mas bom.

Acho que os críticos não estão preparados para os filmes comerciais portugueses, principlamente estes, que são bons filmes, mas que os chateiam por talvez ter 200 000 pessoas a ver o filme, e uma soraia chaves nua, coisa que não percebo como é que irrita alguém, sem ser talvez o namorado dela...

Acho quase pornográfico (não o fizeste directamente, mas já li uns que sim) comparar este filme ao Crime do Padre Amaro ou ao Corrupção. Não tem qualquer comparação, a estrutura deste, o enredo, e acima de tudo os personagens, são de outro campeonato.

Enfim, Veremos se a Soraia se aguenta como actriz, que pelo que vi, bem dirigida, pode ser que tenhamos finalmente a nova Alexandra Lencastre, mas com talvez mais poder...

Isto se ela não for para fora, que também acho que é possível. Talvez o Canastrão do Joaquim a leve.