quarta-feira, 7 de maio de 2008

Uma inocente inclinação para o mal


Alturas houve em que pareceu haver alguma preocupação quanto ao futuro do fado. Quando A Naifa surgiu, em 2004, com Canções Subterrâneas, as opiniões dividiam-se entre os que viam a solução para o problema e os puristas que criticavam a despersonalização da musica nacional. Hoje, o problema parece não se coloca sequer, por haver vasto mercado para as duas opiniões. Nomes como Camané, Mariza ou Katia Guerreiro trouxeram o fado, na sua vertente mais tradicional, para a ribalta e deram-lhe nova vida. A Naifa tornou-se uma das faces mais visiveis de um movimento que tenta, de diversas maneiras, vesti-lo de outras roupagens e dar-lhe outra intenção com o mesmo sentido.
Ao terceiro trabalho, os A Naifa já não são um trabalho experimental de junção do fado com outras sonoridades, desde a Pop a maquilhagem electrónica. São um grupo consumado, consolidado e cujo trabalho começa a ganhar forma de carreira consistente. Já não falamos de surpresa, falamos de alterações no curso do seu som. Já não vamos à procura, redescobrimos. Nesse sentido, como noutros, o percurso de A Naifa merece destaque e é a prova actual que o fado não é um género morto, muito menos fechado. Está vivo e é possível, se o talento assim o permitir, ser um corpo ágil e sobre o qual se actua.
Posto tudo isto, chegamos a Uma inocente inclinação para o mal, o mais recente álbum. Este é o menos imediato trabalho do grupo e o mais difícil de enquadrar. É o menos imediato por ser o menos preciso na sua fusão. Canções Subterrâneas e, especialmente, 3 minutos antes de a maré encher eram retratos poéticos precisos onde o fado se imiscuia de vertentes Pop muito clara, com piscares de olhos a pormenores mais modernos e a outros géneros da World Music que se esgueiravam num ou noutro ponto. Uma inocente inclinação para o mal parece, por um lado, retornar a um conceito mais clássico de fado. Há mais sentimento e menos ambiente, há mais sentir e menos tocar. Por outro lado, os pormenores que o enriquecem são mais difusos e necessitam de uma repetida audição, que o trabalho merece, para serem perceptíveis. Se tudo isto parece, em si, um ponto favorável - e é-o, até certo ponto -, não deixa de contribuir para tornar o álbum num trabalho menos apetecível e cuja força de envolvimento, que caracterizava os primeiros trabalhos, está parcialmente ausente. Mantém-se a boa poesia e a convicção de que este é, também, o caminho do fado.
Título: Uma inocente inclinação para o mal
Autor: A Naifa
Nota: 6/10

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