sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Banqueiro Anarquista


Em cena no Teatro da Trindade de 10 a 13 de Dezembro está O Banqueiro Anarquista. Embora mais conhecido pela sua vertente poética e, dentro desta, pela sua escrita mística e pouco mundana, este texto de Fernando Pessoa é mais um bom exemplar de como a sua obra é vasta, quer na forma, quer no conteúdo. Já em Essência do Comércio e noutros artigos que publicou em vida, Pessoa mostrava ser atento e conhecedor do fenómeno económico. Mas O Banqueiro Anarquista é uma análise muito incisiva sobre a economia, o poder do dinheiro e a banca. E há, por detrás da personagem que Pessoa criou, e juntando vários destes textos, uma ideia clara que se forma sobre as opiniões politicas do escritor - exemplo claro é a sua visão sobre o comunismo, em especial do exemplo russo. Mas, para além do seu valor académico (onde se lê um outro pessoa, diferente do poeta ou ensaísta), para além do seu valor biográfico, O Banqueiro Anarquista impressiona, hoje, pela sua contemporaneidade e pelo espirito de previsão que o texto contém. Ler o texto hoje, à luz da conjuntura económica que se vive, impressiona pela capacidade de Pessoa em prever o que se seguiria, pela ciclicidade com que todo o meio económico se rege e pela repetição dos mesmos erros. Fala-se de dinheiro, do poder do dinheiro, da ilusão do mesmo, da ganância que o mesmo incute e, pior, da desfiguração que o dinheiro cria sobre as pessoas. É difícil não ler O Banqueiro Anarquista como uma crítica feroz a um sistema bancário de corrupção e ambição desmedida, onde o dinheiro, pelo dinheiro, é o grande motor.
A leitura que no Trindade se apresenta, com encenação de Annalisa Bianchi e Virgínio Liberti, é, acima de tudo, honesta. É sincera e humilde na forma como se expõe e se entrega. Desde o cenário, que aproveita de forma exemplar o palco com poucos recursos, até à forma como trabalha o texto, sem grandes invenções mas não se deixando manipular pela força do próprio texto. Porque, apesar da sua qualidade, O Banqueiro Anarquista não é um texto dramático na sua essência. Não tem movimento, não tem história, não tem conflito nem desenlace e apresenta duas personagens quando, em verdade, só uma nos interessa. Daí que a abordagem tenha sido a de mostrar uma leitura e não a leitura deste texto, o que funciona em pleno. Pode haver quem não leia o texto com o humor com que é apresentado - onde me incluo - mas que ele existe, é inegável. Neste Banqueiro Anarquista, explora-se essa vertente e ganha-se a aposta por criar uma peça personalizada, pessoal e verdadeira. Há verdade quando o banqueiro explode em raiva, há verdade quando o banqueiro se vê sem argumentos, há verdade quando é apanhado em falso. Criou-se verdade teatral de um texto que é uma tese em prosa. A interpretação de Amândio Pinheiro é como o texto, porque é dela que nasce o texto. Humilde, sincera e verdadeira. Melhor ou pior, cada um julgará, mas a dele, o que cria um espectáculo com identidade para além do texto, com dramaturgia própria - o principal obstáculo com que se defrontava. Laura Nardi surge mais apagada, não por culpa dela, mas porque o texto não dá espaço nem margem de manobra para que a sua personagem exista enquanto tal. Quem puder que culpe Pessoa.
Título: O Banqueiro Anarquista
Autor: Fernando Pessoa
Encenação: Annalisa Bianchi e Virgínio Liberti
Elenco: Laura Nardi e Amândio Pinheiro

Sem comentários: