quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Andando


Andando é um daqueles raros filmes onde, de uma conjuntura muito particular e específica, se consegue retirar a sua universalidade. Fazer a sinopse de Andando, como quase sempre acontece, é algo de ingrato. Porque limitamos o filme ao seu enredo - como se ver o filme fosse saber o fim - e porque, neste caso, a história é o que menos interessa. Seguimos uma família japonesa que se reúne num almoço por ocasião do 15º aniversário da morte de um deles. O enredo, e até as personagens em si, são o que menos interessa. Temos o pai, austero e empedernido nas suas convicções, a mãe, aparentemente dócil para todos, e o filho que vem de longe com a nova mulher. A magia de Andando surge quando todos estes, entre outros, se juntam. O que Hirokazu Koreeda consegue filmar é o que é comum a milhares de famílias, o que é intrínseco a essa condição, apesar de o filmar conjunturalmente nesta familiar em particular.
Teremos esta visão cultural do japão, teremos o poder da comida no ecrã, teremos o sentido de humor que por vezes surge, mas o que nos fascina em Andando é como aquilo poderia ser qualquer um de nós. No que se diz e no que não se diz, no que ficou por dizer e no que se disse sem ser dito. Nos silêncios mais ténues, na troca de olhares entre duas pessoas nas costas de alguém, nas falas com duplos sentidos, nos cuidados que se têm nas relações familiares. Nos hábitos, na forma de funcionar enquanto família, na hierarquia, no que se espera de cada um e de como é difícil não corresponder a essa expectativa. Andando é a síntese do nome família, como uma definição de enciclopédia para o termo.
Um apontamento também para o peso da ausência, aqui expresso no filho em honra de quem se celebra o almoço. A ausência é feita de silêncios pesados, de silêncios que têm de ser quebrados, de palavras que já não se podem dizer, de superstições, mas, especialmente, dos mecanismos que se criaram para nos defendermos dessa ausência. Como o ódio. Que, nas palavras da mãe, torna mais fácil suportar a dor. Dificilmente um filme poderia ser mais especifíco e global ao mesmo tempo.
Título: Andando
Realizador: Hirokazu Koreeda
Elenco: Hiroshi Abe, Yui Natsukawa e You.
Japão, 2008.
Nota: 8/10

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