quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Leitor


Ainda não percebo bem quando me dizem que O Leitor é um filme sobre o holocausto. O que O Leitor é menos é um filme sobre o holocausto - e a sua pior parte é essa mesma, a parte em que se centraliza nesse tema, sem antecedentes ou justificações. Há, à partida, demasiadas abordagens no filme, o que poderia ser perigoso. Mas a maioria delas é forte, é independente e é gloriosa. Outras não, e nestas, mais do que qualquer uma, enquadra-se a sua vertente "filme sobre o holocausto". O Leitor é um filme sobre o amor disfuncional entre o adolescente e uma mulher 20 anos mais velhas. Sobre a sua relação, sobre a impossibilidade da mesma e sobre a premência fisica. Há uma sensualidade estranha no corpo envelhecido de Winslet sobre o corpo imbérbe de Kross. Este é um dos filmes dentro do filme. Um amor impossível, escondido e incompreendido pelos mesmos. Há desejo e paixão, dor e sofrimento. Nada disto é novo, como é óbvio. Mas nunca irrita quando é bem filmado. O Leitor é, também, um filme sobre o reencontro. E, neste reencontro, o que mais impressiona é o contraste. A dor de Michael, o antigo adolescente, ao reencontrar a sua amada anos mais tarde, impossibilitado de a ter. E a dor da solidão de Hanna, a mulher ainda vinte anos mais velha, mas acima de tudo mais velha. A angústia de ter de escolher entre a rectidão e a relação pessoal atravessa Michael e qualquer das decisões é um garante de sofrimento pessoal. Aliás, desde o princípio, mesmo nos tempos de maior paixão, se adivinha um enorme sofrimento, de parte a parte. A forma como Daldry tornou este sofrimento apaixonante, e próximo, é formidável.
O Leitor é, ainda, um filme sobre o segredo. Sobre a força da vergonha e do segredo. E, como se diz durante o filme, de segredos é feita a história da literatura. Por falar nisso, O Leitor é um filme sobre Literatura também. Não centralmente, e ainda bem, mas lateralmente, fazendo deste tema apenas um retoque curioso. Mas é deste filme, d'O Leitor sobre livros e sobre o acto de ler, que surgem as imagens mais belas, a sensualidade mais peculiar. Como Hanna, descobrindo a leitura numa persistência estoica no final da vida. Ou no acto de Michael, uma mistura louca e indistinta de amor e remorso. O Leitor é um filme para Kate Winslet, numa interpretação oferecida à academia. Não bastava Revolutionary Road, como agora temos O Leitor. O primeiro traz-nos um lado humano e espontâneo, o segundo é frio e contido. Os dois juntos fazem dela a mais séria candidata ao óscar de melhor actriz. E há ainda Ralph Fiennes, em papel secundário e sem especial interesse. E sim, temos ainda O Leitor, filme sobre o holocausto, o que nos traz o pior do filme de Daldry. O olhar crítico e julgativo que se repete em todos os filmes sobre o tema, um final previsível e demasiado límpido para um filme perturbante e minutos extra sobre os sobreviventes, tudo o que o filme não precisava nem merecia.
Título: O Leitor
Realizador: Stephen Daldry
Elenco: Ralph Fiennes, Kate Winslet, David Kross, Bruno Ganz e Lena Olin.
Alemanha e E.U.A., 2008.
Nota: 7/10

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