segunda-feira, 28 de julho de 2008

Os Amores de Astrea e de Celadon


Celadon é um pastor, oriundo de famílias nobres, para quem a pastorícia é um meio honesto de vida. Celadon é belo, elegante, honesto e casto. Celadon ama Astrea, a sua musa. Astrea é pastora. Astrea é mulher e, como tal, deixa-se enganar por um pretendente na sugestão de Celadon estar encantado por outra mulher. Perante esta situação, Celadon prefere morrer a estar separado da sua amada, e joga-se no rio. Celadon sobrevive, ajudado por ninfas e druidas, na angústia da separação de Astrea. Astrea vive na angústia da suposta morte do seu amado.
("Ai, flores, ai, flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo? Ai, Deus, e u é?")
Estes são Os Amores de Astrea e de Celadon, uma história de amor do escritor barroco Honoré d’Urfé, que o octagenário Rohmer pinta em tons medievais a incriveís pinceladas de fascinação. Aqui, Rohmer consegue, em tudo, um impressionante fresco de alienação cinematográfica, raro nos dias de hoje. Os Amores de Astrea e de Celadon são um estranho objecto à luz do que hoje é o cinema. É integral e literário, mas ao mesmo tempo perde-se na contemplação de si próprio, nos promenores que cria e recria na criação do que, usualmente, se chama de poesia.
("Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo? Ai, Deus, e u é?")
Não há ritmo em Os Amores de Astrea e de Celadon. Raramente parece ter ponto de partida e o ponto de chegada é óbvio. Nada há neste filme senão a brutalidade da sua pureza. É um filme deslocado, surreal, simples e profundamente calmo. Nisto se reflectem as suas interpretações (onde se encontram modelos de castidade hoje, para representar assim o ontem?), a sua passada lenta e observativa, a obsessão com os detalhes (o poema cantado, o bardo, o vestuário, a paisagem, duplamente a paisagem), mas, acima de tudo, a necessidade extrema de parar e criar o distanciamento necessário (do genérico inicial, até à distância que vai do texto e do ambiente para a sala.) O que, nem por isso - e perdoe-me Brecht -, deixa de nos impelir muitas vezes a ficar extasiados.
("Vós me preguntades polo vosso amigo? E eu ben vos digo que é sano e vivo. Ai, Deus, e u é?")
O que fazer hoje com um filme destes? Nada, porque é a isso que ele se destina. Nada para além da contemplação e do êxtase. Contemplação perante o belo e êxtase perante a possibilidade de um mundo - e de um cinema - que parecemos desconhecer diariamente.
("E eu ben vos digo que é sano e vivo e seerá vosco ante o prazo saido. Ai, Deus, e u é?")
Título: Os Amores de Astrea e de Celadon
Realizador: Eric Rohmer
Elenco: Andy Gillet, Stéphanie Crayencour, Cécile Cassel e Véronique Reymond
Espanha, França e Itália, 2008.
Nota: 7/10

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