segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Sabor do Amor


Depois de Cannes, vem etiquetado de filme menor de Wong Kar-Wai este O Sabor do Amor. São sempre complicadas esta etiquetas que acabam por nos limitar na abordagem ao filme. My Blueberry Nights não será certamente o melhor filme do realizador asiático, mas esta sua chegada ao continente americano não deixa de ser, em vários aspectos, um exercício bastante interessante, não apenas no contexto da sua obra. Nesse contexto, no contexto de um realizador de culto que, um pouco como a personagem do filme, se vê chegado à América, nota-se que este é um filme de Kar-Wai. Não pela história de amor pouco ortodoxa e invariavelmente torcida, nem pelos efeitos visuais que nos atordoam. Mas porque sentimos que este é um filme que Kar-Wai tinha de fazer, que está repleto de experiências e de interpretações do mesmo.
Norah Jones é Elizabeth, uma rapariga que entra num café e deixa umas chaves. Jude Law é Jeremy, o dono desse café que está habituado a pessoas que deixam chaves para outras, mesmo não sabendo se há alguma porta para ser aberta. Elizabeth e Jeremy encontram-se mas ainda não estão prontos um para o outro, mesmo que o não saibam. Desfeitos de desencontros amorosos antigos - dos mesmos que Wong Kar-Wai vive e se alimenta - ambos se revêem no outro e procuram alguém com quem se partilhar. Um dia Elizabeth decide partir e correr a América à procura de si própria, enquanto descobre que a sua dor não existe só.
É este o ponto de partida deste road movie que vai à procura da América. E é aqui que ele se revela que não se trata de uma visão americana do país, mas sim de um realizador que também ele foi à descoberta da América. A meio ponto do caminho, entre a América de Wong Kar-Wai e a verdadeira América, situa-se este retrato idealizado e extremamente romântico das relações humanas. Através da voz casta de Norah Jones - cuja história de entrada no filme é, como todo o filme, extremamente romãntica - entramos em contacto com um David Strathairn que personifica o alcoólico desencantado de um pequeno bar, uma Rachel Weisz em formato femme-fatale de alcova e uma soberba Natalie Portman versão jogadora de póquer manipuladora e recalcada.
Esta América de Wong Kar-Wai não existe. Há estilo a mais para filme a menos. As empregadas de balcão já não se vestem assim, o néon já não se filma assim, os tempos de cinema já não pausam tanto em volta de um beijo. E então? Deixem-nos mentir a nós próprios e sermos românticos. O road movie do realizador chinês é pescadinha de rabo na boca que roda sobre si mesmo para chegar a um mesmo ponto, mas melhorado. Mal amado de Cannes e filme de abertura do Indie-Lisboa, é romantismo do conteúdo à forma. Desde os planos trabalhados, aos enternecidos olhares de Jones, ao romantismo meio foleiro de Law. É isto o romance, certo? Uma coisa foleira? Melhor assim, se for bem feito, excessivo, com banda sonora de Cat Power, com grandes actores, em falso road-movie e com sabor a mirtílos.
Título: O Sabor do Amor
Realizador: Wong Kar-Wai
Elenco: Norah Jones, Jude Law, David Strathairn, Tim Roth, Natalie Portman e Rachel Weisz.
Hong Kong, China, França e E.U.A.
Nota: 6/10

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