
Ora na Antígona de Sófocles esta hipótese manifesta-se com uma tal vitalidade que não custa compreender a sua constante revisitação decorridos cerca de vinte e cinco séculos. Uma das provas da sua riqueza é a quantidade de interpretações possíveis do texto, construídas ao longo dos séculos, ajustadas ao espírito e ambiente de cada época, sendo esta característica ainda mais relevante quando se identifica na peça a rigidez de construção que a caracteriza como uma tragédia clássica. A sua permanência nos palcos virá, portanto, mais do encanto proveniente da sua tessitura do que da actualidade temática, mesmo que esta actualidade seja, com efeito, impressionante. A Antígona é uma obra exemplar na medida em que reflecte as crenças e medos de um povo, localizado no tempo, à luz da aparentemente eterna dicotomia entre Justiça e Lei. E a ferida está agora, em Portugal, novamente aberta, e entristece ver que Sófocles compreendia o que os actuais defensores do “prove!”, na sua beatice, parecem não compreender: que a diferença entre Justiça e Lei nunca será tão pequena que possa ser desprezada.
É desta leitura que nasce a Antígona de Maria do Céu Guerra: da divórcio entre Natureza e Estado e do fracasso do Mundo, no passado e no presente, em corrigir os males de todas as sociedades cuja lei funciona arbitrariamente. A encenadora transporta-nos assim para um lugar com uma identidade indefinida que nunca conheceremos bem onde existe nem em que época vive – o magnífico coro sugere-nos a passiva sociedade de informação dos últimos dois séculos, Creonte (José Medeiros) o imperialismo de bastão na mão e Antígona (Rita Lello) a mulher helénica ou a heroína da resistência do século XX. Com a linha dramatúrgica seguida a peça mantém-se fiel à estrutura da tragédia e segue a visão que a encenadora propõe, embora corra o risco (assumido) de poder não atrair os espectadores para essa mesma leitura. Se o Teatro já foi educador, hoje tenta sofregamente sê-lo.
Em cena no Teatro A Barraca, em Santos.
Título: Antígona
Autor: Sófocles
Encenação: Maria do Céu Guerra
(Crítica de Pedro Teixeira.)
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