quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Wall-E

A vários níveis, Wall-E é um filme crucial. De certo nos lembramos do cinema de animação como um cinema dirigido essencialmente a crianças, feito de pura fantasia, de histórias simples e compreensíveis. Nalgum ponto dos últimos anos (arriscam-se nomes que vão do primeiro Shrek ao mais recente Ratatui), este cinema sofreu um ligeiro desviar de percurso. Assumiu-se como um cinema essencialmente de família, onde os mais novos se fascinam e os mais velhos se revêem. Tornou-se por vezes, e também muito graças aos desenvolvimentos tecnológicos espantosos que gradualmente apresentou, o marco do cinema de entretenimento, como sempre fora para a secção infantil. Wall-E vai mais longe e, em certa medida, é o primeiro passo concreto e sério na assunção de que há - ou pode haver - um cinema de animação Disney-like cujo alvo maioritário é adulto. Pode ser visto, sem dúvida, por qualquer criança, mas é um filme demasiado inteligente, demasiado experimental, demasiado importante, para se limitar a isso.
Wall-E é, sobretudo, um filme inteligente. Num tempo de sofisticação, é graficamente atraente e sublime, mas extremamente simples. Enquanto a maioria dos filmes de animação - e não só, infelizmente, e não só - se baseia num corropio de perseguições e desventuras de ritmo alucinante para prender o interesse dos seus espectadores, Wall-E contraria constantemente estas tendências e torna as acções mais simples nas mais intimistas. Não só aqui se contraria ese elogio da velocidade. Revejamos os primeiros 20 minutos, onde um robot solitário, Wall-E, vagueia pela terra, inóspita e inabitada, na sua missão de condensar o lixo. Neste cenário futurista, a nossa atenção prende-se num robot, coleccionador compulsivo, simples e ternurento, musicado por um silêncio árido que apenas o seu quotidiano quebra. Já se adivinhava esta simplicidade no soberbo trailer de abertura ao filme, a história clássica de um mágico e do seu coelho, cuja animação nos remete, em todos os aspectos, para as mais clássicas histórias da Disney (Tom&Jerry, por exemplo). É esta a inteligência de Wall-E. O travão na técnica pela técnica e o resgate dos mais elementares factores de animação. Os mesmos que nos encantaram durante décadas.
Mas Wall-E é, ainda, um filme premente. Entretanto, Wall-E conhece Eva, enviada à terra para pesquisar a presença de vida vegetal e apaixona-se. Por amor, persegue-a até à nave onde a população humana reside nas últimas centenas de anos e, com ela, torna-se o motor da revolução que trará os humanos de volta à terra-mãe. Nenhum espaço nem nenhum comentário poderá descrever a correctidão da critica que, apartir deste mote, se instala. Vemos uma população humana morbidamente gorda, preguiçosamente estupidificada, envolta numa tecnologia que a tornou parasitária e inconsequente. Vemos grandes superficíes comerciais, vemos a massificação do consumo como valor essencial, vemos homens e mulheres a alimentarem-se por bebidas que nos relembram embalagens de Burguer King enquanto vivem permanentemente num sofá tecnológico e não conseguimos tirar a imagem de um americano vulgar das nossas mentes. Wall-E, o filme, dispara em várias direcções - o consumismo e a ecologia são os principais alvos - e, como poucos filmes, acerta sempre. Não tenho bem a certeza de Wall-E ser um marco, um inversão de sentido ou simplesmente um muito bom filme. A todos os níveis, é um filme imperdível.
Título: Wall-E
Realizador: Andrew Stanton
Elenco (Vozes): Fred Willard, Paul Eiding, Jeff Garlin e Sigourney Weaver
E.U.A., 2008.
Nota: 8/10

1 comentário:

B. disse...

Nunca a animação acertou tão em cheio.

Nunca se pensou ser possível um novo E.T.

Vale por ele e por tudo o que significa, um filme que é quase perfeito.

9