domingo, 1 de março de 2009

Slumdog Millionaire


Não é de agora que crítica e público andam às avessas, de costas voltadas no que a gostos diz respeito. Na grande maioria das vezes, verdade seja dito, com clara razão de uma crítica que insiste em penalizar uma cinematografia hollywoodesca moderna cada vez mais virada para o consumo, cada vez menos virada para as ideias. É também verdade que o trabalho de um crítico, na grande maioria das vezes, é fácil, quando assenta no conceito denegritório do substantivo que dá nome à profissão. Mas, como disse Anton Ego em Ratatui, "There are times when a critic truly risks something, and that is in the discovery and defense of the new". Não será bem o caso, que Slumdog Millionaire, de novo, tem muito pouco. Mas tem de bom. Que a generalidade da crítica portuguesa (e Salman Rushdie, vá) não o entendam, à revelia de todo um público, é tristemente expectável. Mas não é a recusa da crítica perante o filme - totalmente legítima, sublinhe-se - que me impressionam, mas sim a justificação da mesma.
Slumdog Millionaire não traz nada de novo. Não traz, de facto. Como, aliás, não traz nenhum filme à bastante tempo, mas isso é fruto de um cinema que caminhou mais para uma rememória e reconstrução de si mesmo do que para um arte da procura do novo - sem que isso seja, por si, desculpa para o filme de Boyle. Slumdog Millionaire é um filme dickensiano que capta o essencial desse ambiente social e o adapta a um mundo globalizado moderno. E, para tal, serve-se do mais globalizado meio - a televisão - e de um dos seus mais globalizados produtos - os concursos de prime-time para ganhar dinheiro. O conceito é, a priori, agradável, mas é o modus operandi de Boyle - também ele frequentemente criticado - que o faz funcionar. Este é um filme dos tempos modernos e, apercebendo-se disso, Boyle utiliza todos os recursos do mesmo. Os planos, o andamento da câmara e o ritmo do filme fazem lembrar, em si, um programa de televisão. O ritmo é rápido, as pausas poucas e as falas fluentes. Como na vida real, o tempo para pensar é pouco. Este é o filme de amor moderno, no mundo moderno, pelos tempos modernos. A coerência estética impera. Que seja filmado na Índia - ligações Hollywood/Bollywood à parte -, por um realizador americano e seja um sucesso por todo o mundo é consequência disso mesmo. A beleza do filme de Boyle é que, vivendo e sendo feito neste mundo, é como uma esperança para sobreviver ao mesmo. O filme não é uma critica. O mundo que se filma sim.
Slumdog Millionaire é um filme falso e um feel-good movie. Nunca ninguém pretendeu vender Slumdgo Millionaire como um filme realista, feito de uma história veridica. Que se confunda a verdade mundana que se filma com pretensões de filme-denúncia à imagem de Cidade de Deus, é desconstruir todo o conceito de ilusão de que é feito o filme. A desgraça que se filma - com extremo sentido de humor negro, por vezes - é retratada com tamanha naturalidade, como explicação behaviorista da personagem principal, que jamais chama a si a força motriz do filme. Que exista é mais nossa preocupação que de Boyle. O que lhe interessa, e a nós como produto final, é a magia, como nos filmes de Hollywood clássicos. Uma história de amor épica, repleta da ilusão que é típica da Hollywood de outros tempos e de filmes que marcaram uma época com a sua beleza. A beleza, já que vem à conversa, do filme de Boyle é a transposição de todo este universo para uma realidade distante dessa magia. Que alguém ainda acredite que se ame no meio de tudo isto é, no mínimo, incrível.
Título: Quem Quer Ser Bilionário? (Slumdog Millionaire)
Realizador: Danny Boyle
Elenco: Dev Patel, Anil Kapoor, Freida Pinto, Mia Drake e Imran Hasnee.
E.U.A. e Reino Unido, 2008.
Nota: 8/10

1 comentário:

B. disse...

Dos filmes independentes mais consensuais de sempre.

A avó gosta, o pai gosta, a mãe gosta, o puto gosta, o jovem gosta...

Quem não gosta até gostou, mas como toda gente gosta, diz que não gosta.

E por aí fora.

Aplaudo de pé esse filme, não traz nada de novo, e no entanto tem tudo para funcionar, e funciona que nem um relógio... perfeitinho...

Destaque para a beleza da senhora indiana, que já tem o futuro assegurado, e ainda bem...