quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ágora


No final do século IV, o território de Alexandria encontra-se em tempos de grande mudança e vive imerso em conflitos e ideias opostas que convivem dentro de si. O filme de Amenábar, como a época que descreve, é multifacetado, discute várias problemáticas e levanta ainda mais questões. Ágora parece ser várias coisas mas, ao longo da sua duração, vai-se desmascarando lentamente até não ser nenhum dos lugares-comuns que esperávamos mas um filme que abraça essa complexidade que a época exigia. A princípio esperamos mais um filme de época, com histórias de amor e histórias de guerra, suportado pela caracterização hollywoodesca do género. Mas o amor que vemos não corresponde aos cânones do filme de género e a guerra que se trava é quase sempre mais psicológica ou teológica. Depois parece-nos um filme religioso, mas também aí se mostra mais um filme sobre religões e menos um filme religioso, preocupando-se mais com o mal de fundo que do fanatismo advém do que com o fanático em si.
No centro do enredo, Hipátia, a filósofa, e alguns dos seus mais chegados alunos. Hipátia é o ponto de partida e o ponto de chegada deste filme, que não é sobre ela. É o ponto de partida enquanto professora, enquanto símbolo da sabedoria e da igualdade. E é a ela que chegamos no fim, já vencida, quando o fanatismo e o poder das multidões se torna mais forte que a racionalidade, o saber e a tolerância. Esta é a história de Hipátia, mas é a mais a história da tolerância e, principalmente, da falta dela. Há tanta crítica em Ágora à Igreja Católica como ao Islamismo ou a alguns regimes ditatoriais. Que, por exemplo, a Igreja Católica se tenha insurgido contra o filme é um exemplo claro de, segundo a expressão popular, uma carapuça que serviu. Esta é a beleza de Ágora, uma obra que foge à facilidade de fazer um filme de época baseado nas premissas romântico-bélicas do costume e, pelo contrário, se debruça verdadeiramente no tempo que pretende retratar. O dito que tantas vezes se ouve de que a história se repete e a função do cinema histórico de retratar o presente estão ambos explicados academicamente no filme de Amenábar. Mesmo que algumas personagens-tipo sejam demasiado óbvias ou que Amenábar se deslumbre quando volta a Hipátia. Há de haver tempo para um filme sobre Hipátia, a matemática, mas, e por muito que Amenábar tenha tentado encaixar esta à força, este é um filme sobre o tempo de Hipátia, o tempo da intolerância religiosa.
Título: Ágora
Realizador: Alejandro Amenábar
Elenco: Rachel Weisz, Max Minghella e Oscar Isaac.
Espanha, 2009.
Nota: 7/10

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