domingo, 9 de setembro de 2007

35 mm #3 - O Libertino


A um pouco de sexo
ou muita poesia
ainda não fico indiferente
Quinteto Tati in "Valsa Quase Anti-Depressiva"

O que esperar de um filme cujo protagonista é Johnny Depp, contracenando com John Malkovich, ao som de uma banda sonora da autoria de Michael Nyman (rever, The Piano)? Na estreia como realizador de Laurence Dunmore, O Libertino é um filme sobre a Londres do final do séc. XVII e sobre John Wilmot, segundo conde de Rochester. Se está à espera de um filme vivo, de acção e emoção, de um protagonista por cuja vida se torce, desista, saia da sala ou, na melhor das hipóteses, não chegue a entrar. Como Depp avisa no prólogo do filme, não é fácil gostar dele. E, à partida, repito desta vez com um certo ênfase que o itálico me permite, à partida, nem do filme.

John Wilmot foi um escritor cuja vida, mergulhada num misto embriagante de álcool, sexo, literatura e deboche, mais do que inserir-se bem na altura, foi o culminar exponencial dessa vivência, quer enquanto vivência ela mesma, quer enquanto consequência desta. Escritor incompreendido e cuja rendição crítica apenas sucedeu, como de costume, após a sua morte, O Libertino mostra-nos o percurso errante de um homem que, tentando ser mais que isso, acabou despojado dessa mesma condição. Para imaginar a toada do filme, imagine um filme de Manoel de Oliveira. Só que em bom.

Falar de O Libertino, é falar de Johnny Depp. Assumindo-se cada vez mais como um dos melhores actores da sua geração, Depp tem aqui um dos pontos mais altos da sua carreira em termos de representação. Não sendo, de certo, o filme que a história mais guardará com o seu nome, dificilmente haverá maior exercício enquanto actor para Depp. Como muleta, a qualidade calejada de Malkovich e uma eficiente Samantha Morton. E, não a despropósito, é de facto de Teatro que se fala aqui. Para além do ambiente teatral do filme, para além de o próprio filme ser a adaptação de uma peça de teatro, para além de Wilmot ter sido dramaturgo, para além do ênfase que é dado às representações, é de Teatro que se fala neste filme.

Magistral, para qualquer amante de Teatro, toda a sequência em que Wilmot "transforma" a sua musa numa actriz, no verdadeiro significado da palavra. "Eu sou a Natureza. Tu és o artificial", ouve-se pela voz de Depp. Para muitos dos actores e encenadores de hoje verem, Wilmot encara uma visão do Teatro que, sendo-nos hoje bastante mais cara, não o era na altura. O trabalho, a naturalidade, a representação fiel. Ainda no campo do Teatro, e ainda no campo do magistral, o que dizer da representação que é feita de Sodom or The Quintessence of Debauchery, obra maior e pioneira da Literatura pornográfica britânica?

A verdade, de facto, é que O Libertino não é um filme fácil. Filme literário e literato, num falso tom morno, cria um ambiente soturno e cinzento de uma Londres debochada e sodómica, face de um reino que também o é. Wilmot é, quiçá, o Alberto Caeiro de todo este enquadramento. A pureza, o único realmente consciente da sua inconsciência, preferindo relegar o seu génio para segundo plano, face às conjunturas alcoólicas da cidade que o abriga. Apenas ao ver a possível transformação de Elizabeth Barry numa actriz que valha o epíteto de tal, Wilmot decide, sem abdicar da decadência moral e física, empregar o seu talento e génio.

Não fugindo, e bem, de um cunho que a parte literária do escritor obriga, O Libertino é um filme para ser saboreado. Saboreadas as falas, saboreada a decadência, saboreado o tom enevoado, a falta de luz, o prólogo, o epílogo, Johnny Depp, John Malkovich, saboreado o sexo, saboreado o deboche, saboreado Johnny Depp, saboreado o Teatro, saboreado o intelecto, saboreado a Literatura, saboreada a imagem, saboreada a música, saboreada a ciclização, saboreadas as palavras, saboreado Johnny Depp, saboreado álcool, saboreado a orgia mental, saboreado John Wilmot.
E se, num homem, juntarmos Deus e Sexo?
Título: O Libertino
Realizador: Laurence Dunmore
Elenco: Johnny Depp, John Malkovich, Samantha Morton, Rosamund Pike, Tom Hollander, Johnny Vegas
Grã-Bretanha, 2006
Nota: 8/10

3 comentários:

B. disse...

Não lhe dava mais que 6.

O cinema cada vez menos é teatro, e se existe o cinema, é mesmo para haver um certo afastamento do formato do teatro, aliás, mesmo adaptações de peças de teatro, têm outro ritmo, e um bom exemplo é o "Closer" que é fantástico como se faz uma adaptação assim. Tão perto da peça, e tão longe do teatro, mesmo com representações fabulosas...

Este Libertino tinha tudo para ser brilhante, por tudo o que disseste, inclusivé o ambiente do filme, que dá sempre para uma boa fotografia, e foi conseguida.

Mas é um filme mastigado, por vezes chato, e com um desenrolar de narrativa fraco.

Acho que realmente para amantes de Literatura, mais do que Teatro, tem óptimos momentos, até nos diálogos...Mas como filme, acho que não tem mesmo uma desilusão...

Também o vi com sono, o que não ajudou muito claro, ainda assim, pelo 8, vou-lhe dar uma nova oportunidade um dia destes.

Gustavo Jesus disse...

Percebo perfeitamente que o interesse do filme seja controverso, porque me parece um exemplo típico do objecto artístico que se adora ou, não detestando, passa despercebido. Mas, numa opinião completamente pessoal, sumula alguns aspectos que mais me atraem no cinema. Entre os quais se encontra, obviamente, Johnny Depp.

B. disse...

Uma vénia a esse senhor, que não se cansa de ser fantástico.