segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Ponyo à Beira-Mar


"o essencial passa pela afirmação de que ficção infantil não tem de (não deve) servir de trampolim para elaborados jogos de computador." Mário Jorge Torres, no Ipsilon
Se pedirem a alguém que enumere rapidamente meia dúzia de bons filmes de animação, os mesmos nomes vão estar na generalidade das respostas. Shrek, Ratatui, Wall-E, Toy Story, enfim, alguns dos melhores títulos, de facto, que a animação americana tem produzido. E se perguntarmos ainda se estes são muito diferentes entre si, a resposta é óbvia. Sim. Wall-E distingue-se pela quase ausência de falas e pela comunicação teoricamente difícil de um computador enquanto que Shrek é um regresso quase em forma de homenagem ao mundo das aventuras clássicas da animação. E é só quando vemos um filme como Ponyo à Beira-mar que nos lembramos de como tudo isso é préformatado e escrito com os mesmos argumentos. Sim, há diferenças de forma e de conteúdo, Toy Story2 é melhor que Toy Story e Wall-E é um estupendo filme. Mas toda essa animação tem o mesmo sabor já provado, o mesmo sentido estético, sempre a mesma intenção e o mesmo modus operandi, e o mesmo modo certinho de conduzir a situação de uma maneira previsível que é, no fundo, a mais vendível.
Cada filme de Hayao Miyazaki é uma lufada de ar fresco neste consumo de produtos supostamente tão diferentes. Não é só o choque cultural, crucial, que determina este diferença. É a intenção. Ponyo à Beira-Mar é um filme de autor, com o cunho próprio do seu criador. Não se limita à história com final feliz em sentido único, apesar de a conter. Não se esgota no feel-good final nem na parte educativa a que a animação aparentemente obriga, mas também a inclui. Ponyo à Beira-Mar é transgressivo em relação à normatização da animação e das suas histórias, é arrojado na forma de se expôr para além da mera história que quer contar, é poético na delicadeza com que se vai mostrando. É um filme de extrema poesia visual, um portento de metáforas e referências (algumas aos próprios filmes de animação americanos), mas ao mesmo tempo é de um simplicidade extrema e limita-se muitas vezes a inundar-nos sensorialmente. Quando dizemos que o mar parece ter vida, não é uma brincadeira. E esse simples pormenor, a forma como Miyazaki entende a vida do mar, é razão suficiente para pasmarmos perante o quadro. Quadro entendido como pintura, porque é disso que se trata. Porque Miyazaki é, já o sabiamos, um poeta, e como poeta que é interessa-lhe a beleza, o instante em que paramos porque os navios se tornaram numa cidade ou porque o mar ganhou vida. Por isso mesmo está pouco interessado em noções como ritmo ou narrativa.
O paradoxal disto tudo, e por isso mesmo o mais curioso, é que apesar de toda esta complexidade que Miyazaki esconde na sua obra, Ponyo à Beira-Mar é dos mais simples filmes de sempre. Não há grandiosas produções nem bonecos hiper-reais. O trabalho de Miyazaki esquece a cada vez mais evidente sofisticação tecnológica e interessa-se sobretudo nos jogos de cores. No vermelho de Ponyo. Ou no verde do balde. Ou no azul do mar. Tudo desenhado naquela forma falsamente tosca e primitiva mas que é, para o efeito, bem mais produtiva. Ponyo à Beira-mar é um filme de crianças que pretende ser para crianças, porque é delas a capacidade de deslumbramento com a simplicidade que os adultos perderam - e o filme faz a apologia desta inocência infantil. Mas contém mesmo assim a questão pedagógica da mensagem, tantas vezes piscar de olho ao público mais velho. Como a questão ecológica - sem especial novidade no caso - ou a geriátrica - e, aqui sim, nova vénia à forma como Miyazaki retrata e trata as suas velhas. A questão é que este nem é do melhor Miyazaki e isso nota-se. Mas chega para nos mostrar a diferença entre produção em série ou manufatura. Quem não perceber que se lixe e vá ver o UP.
Título: Ponyo à Beira-Mar
Realizador: Hayao Miyazaki
Elenco/Vozes: Yuria Nara, Hiroki Doi, Jôji Tokoro e Tomoko Yamaguchi.
Japão, 2009.
Nota: 7/10

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