sexta-feira, 18 de julho de 2008

Canção ao Lado


Quantas vezes esperámos para ser abalados assim? Quantas vezes pedi que me lessem, me ofendessem com o que sou e mo esfregassem na cara? Quantas vezes, na repetição monótona que a música tantas vezes se torna hoje, suspirámos sem saber por algo como Canção ao Lado? Pode não vir a chegar a lado nenhum, podem os Deolinda evaporar-se, mas, ainda assim, suspiramos de alívio por ouvir algo assim. Há frescura e modernidade nesta pintura a óleo manchada a vinho carrascão. Há o fado de Alfama a sair à rua, a olhar para cima e a ver uma bandeira portuguesa pendurada numa janela. Amores de faca e alguidar, ora com mais faca, ora com mais alguidar, feitos numa tasca, regados a vinho tinto, mas misturados com o jazz que o primo trouxe de uma discoteca lisboeta. Serve-se vinho de mesa num copo de cocktail e entorna-se.
Deolinda canta uma visão de Portugal verdadeira. Ora irónica, ora honesta. Umas vezes de dentro para fora, noutras no sentido inverso. Há emigração, há ronha, há preguiça. Amor, tragédia, movimento, animação e tristeza. Tudo como um bom português, bipolar como se quer. E, pela voz de Ana Bacalhau, tudo cantado para português ver. Duvidamos a primeiro, quando provamos deste vinho, se é fado que bebemos. É fado, sim. Com outras castas misturadas. Tem Pop, tem Jazz e tem algo de que, como portugueses, não prescindimos. Tem alma. Como bom português, também, remoe-se, anda sempre em frente sem olhar para trás e anda disparado sem pensar nem perguntar porquê. Adivinha-se em Deolinda a apetência maior para ser vista ao vivo. As letras de Pedro da Silva Martins - algures entre o conto e a poesia popular - assim o exigem e a voz de Ana Bacalhau assim o parece proporcionar.
Não será um álbum completo, mas é um trabalho cheio, este Canção ao Lado. Há o amor, egoísta como só nós o sabemos, em "Mal por Mal", a genial assunção desta música como pós-moderna em "Fon-fon-fon" ou o toque de tasca do Bairro Alto que "Contado ninguém acredita" tão bem consegue. Há uma variedade de momentos e de personagens de que poderíamos falar. E depois há "Movimento Perpétuo Associativo". Há muito que alguém não escrevia tão acertadamente como ser português. Canção ao Lado não é um álbum perfeito. Da mesma maneira que um vinho branco gelado num tarde quente não é perfeito. Qualquer especialista de vinho lhe dirá que o vinho se quer tinto. Mas é o branco, fresco, que melhor nos sabe quando o calor aperta e sol se esmera em aquecer.
Título: Canção ao Lado
Autor: Deolinda
Nota: 7/10

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