domingo, 16 de novembro de 2008

Em Bruges

Do dramaturgo Martin McDonagh, chega-nos Em Bruges. E interessa começar por aqui para ver Em Bruges à luz de McDonagh ser, acima de tudo, um homem do teatro. Fazê-lo faz-nos perceber algumas das opções, como as que toma em termos de planos e em termos de história. Quando estamos a falar de pessoas, falamos de planos quase sempre muito próximos, muito à volta da pessoa. E quando falamos da cidade, não falamos, vemos. McDonagh opta - o que pode parecer estranho num filme cuja principal força é o seu lado gangster, as suas tiradas e o seu extremo sentido de humor - por começar o filme num sentido puramente estético. Inicia, quase que a medo, o seu estilo rápido e irónico, mas até que ele surja e rapte a orientação do filme, já corremos parte de Bruges e passámos da maravilhação de Ken para o bocejo enfadado de Ray.
Ray e Ken são dois gangsters ingleses que se vêem exilados temporariamente para Bruges pelo seu patrão, Harry, à espera que este os informe do seu próximo paradeiro. Ray (Colin Farrell) é um jovem perturbado pelos seus actos. Amargurado, vê a cidade de Bruges actuar sobre si de duas formas. Sobre a forma de remorso, extremo e angustiante, e sobre a forma de desespero, inquietante e manifesto no vagaroso passar do tempo. Até que conhece Chloe, uma traficante de droga holandesa. Ken (Brendan Glesson) passeia-se por Bruges que opera nele a viragem de paz interior de que necessitava. Interessante a forma como McDonagh consegue explorar a mesma cidade, uma medieval e onírica Bruges, de formas tão opostas. Joga-se o jogo da aproximação das diferenças destes dois gangsters sobre o fundo de Bruges, até que Harry (Ralph Fiennes) entra em jogo, baralha e volta a dar.

O que é que nos fascinou em Pulp Fiction? A realização de Tarantino é autenticamente genial e em tudo o filme se constroí para jamais sair da nossa memória, mas é a estilização de diálogos como os de Jackson e Travolta que se tornaram impossíveis de esquecer. Em Bruges, nos seus melhores momentos, causa-nos o mesmo efeito. Os diálogos de Ray e Ken são emersos num humor rápido e natural, vagamente coloquial mas com o certeiro toque de estranheza. O próprio humor que o argumento em si traz é semelhante e, juntos, dão um charme único sem o qual o filme seria apena um bom filme de gansters, mas como tantos mais.
Depois temos Colin Farrell, finalmente acertando em cheio nas suas escolhas, e Ralph Fiennes, elegantemente perfeito para o papel. E temos, de novo, McDonagh. Tinhamos as personagens e os actores. Faltava o enredo. McDonagh fá-lo na generalidade e na especialidade. Na generalidade, traz-nos uma história que nasce no espírito gangster mas lhe é transversal, trazendo alguns elementos que ao teatro são tão caros - que ninguém duvide que aquele anão faz jus perfeito à famosa espingarda de Tcheckov. Na especialidade, apimenta a história de deliciosos pormenores, de que é exemplo o maravilhoso código deontológico que une aqueles profissionais do crime. McDonagh não terá, aqui, o seu Pulp Fiction, mas Em Bruges é excelente cartão de visita.
Título: Em Bruges
Realizador: Martin McDonagh
Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Ralph Fiennes, Clémence Poésy e Jérémie Renier
Reino Unido, 2008.
Nota: 8/10

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