terça-feira, 20 de maio de 2008

45 rotações #6 - Só


A fazer 17 anos, quase a caminho da maioridade, apetece revisitar um dos mais belos álbuns dos últimos vinte anos de música nacional. O adjectivo “belo” é, aliás, sintomático e, ao mesmo tempo, estranho, num autor cuja marginalidade e rebeldia estão bem patentes quer na forma, quer no conteúdo. Mas, para tal, convém conhecer Jorge Palma. Jorge Manuel d’Abreu Palma, nasceu a 4 de Junho de 1950, em Lisboa, e, na sua infância, nada fazia antever o percurso que teria. Aos 8 anos tem a sua primeira audição no Conservatório Nacional, onde se viria a formar em Música Clássica, tendo ganho alguns prémios internacionais como pianista. E assim, a meias entre o piano e a Faculdade de Ciências, tendo como pano de fundo o Salazarismo, vai crescendo Jorge Palma. Até 1978.

“Porque nunca foi a ambição, nem a vingança, que o levou a desprezar a lei
E jamais lhe passou pela cabeça tentar alterar a Constituição
Como um poeta ele desarranja o pesadelo para lá dos limites legais
Foragido por amor ao que é belo e por vocação”

in "Jeremias, o fora da lei"

Tendo, entretanto aprendido, autodidactamente, a tocar guitarra, e abandonando as lides clássicas para se dedicar ao rock, Jorge Palma percorre entre 78 e 80, as ruas de Paris, em cujo metro vai tocando Bob Dylan, Simon and Garfunkel ou Leonard Cohen. Pelo meio, em 1971 participa na primeira edição do Festival Vilar de Mouros e lança, em 1972, o seu primeiro, de muitos, single a solo, The Nine Billion Names of God.

Numa média de 1 cd de 2 em 2 anos, vão surgindo trabalhos coerentes que o enquadram como um dos principais, senão mesmo o principal, “cantautor” português. Jorge Palma é parte de uma geração que, influenciada pelo Maio de 68 e pela situação nacional, fizeram a sua carreira misturando sociedade, política e música. Geração de onde vêm também Sérgio Godinho ou Zeca Afonso e aos quais se juntaram, numa fase pós 25 de Abril, artistas e bandas como os Xutos e Pontapés. Prova desta interligação e preocupação social é a sua manifesta, tal como a de Sérgio Godinho, associação ao Partido Comunista Português.

A grande qualidade de Jorge Palma consiste em aliar a sua extrema qualidade poética ao brilhantismo da sua composição, o que não será alheio à sua formação musical. Se repararmos, para além da formação clássica, Palma participou numa banda de Hard-Rock (Sindikato), fez cds de puro Rock (Palma’s Gang ao vivo no Johnny Guitar), percorreu o Jazz (mais visível no recente Norte), sem nunca esquecer as suas origens marginais e autodidactas no que toca à música de intervenção.

Contudo, apesar desta mescla de influências e vontades, é possível entender em Jorge Palma uma toada geral, um som unificante. Baseado, muito, no piano e na guitarra, Jorge Palma vai-lhes acrescentando ora um saxofone, ora uma bateria, ora uma guitarra eléctrica, ao sabor da música, na procura de um som cujo maior objectivo é servir uma letra. A grande magia da sua música será o repentismo, as mudanças, as diferentes versões das mesmas músicas. Numa carreira onde, em suma, podemos provar um pouco das fontes onde bebeu: Cohen, Dylan, muita da música francesa dos anos 50 a 70 e toda a toada pós-punk, dos The Cure aos The Smith, passando pelo retorno ao Rock and roll do Hard-Rock, como os Led Zeppelin. Para além disso, em albúns como Norte ou , desfilham-se as influências Jazz, desde Sonny Rollins a Duke Ellington.

"Deixa-me rir
Tu nunca lambeste uma lágrima
Desconheces os cambiantes do seu sabor"

in "Deixa-me Rir"

É contudo, dirá qualquer fã de Jorge Palma, para lá da sua qualidade musical, que não é pouca, ficarão as suas magistrais letras. Para além do grande poeta que é, Jorge Palma consegue ser um poeta variado e vivído, como se cada música e cada letra, fosse um pedaço seu, uma parte da sua vasta experiência. Da esperança de “A Gente Vai Continuar”, ao intervencionismo de “Portugal, Portugal”. Da marginalidade de “Jeremias, O fora da lei”, ao idealismo de “Terra dos Sonhos”. Do amor encantado de “O Meu Amor Existe”, ao amor desencantado de “Essa Míuda”.

E, em 1991, temos . Considerado pelo Diário de Notícias um dos 100 melhores cds portugueses do séc. XX, é um cd especialmente importante na carreira de Jorge Palma. Sem uma única música original, é um álbum intimista, onde o piano e a voz se interligam nalgumas das mais belas canções do músico. Aliás, sendo que Jorge Palma se sente particularmente confortável em concerto, antevê, a par de Tempo dos Assassinos e Ao Vivo no Johnny Guitar, essa faceta, com a particularidade de, ao contrário dos outros dois, não ser ao vivo. , traz o melhor de Jorge Palma. Sem os excessos roqueiros, com a proximidade das letras e a harmonia do piano. Nesta nova roupagem, Jorge Palma corre temas como “Só”, ”Bairro do Amor”, ”À espera do fim”, ”Dizem que não sabia quem era”, ”Frágil” ou ”Estrela do mar”.

"Tradições
Atrás de contradições
Fizeram-te abrir os olhos
Podes dizer:
Eu... sou"

in "Viagem na Palma da Mão", de Jorge Palma

Título:
Autor: Jorge Palma

Nota: 9/10

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