sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Cidade


Ao contrário do que nos habituou, a Cornucópia apresentou-nos, numa nova co-produção com o São Luiz, uma peça de Aristófanes. Não que seja estranho que a companhia visite o teatro clássico - se há alguém que o tem feito, e sistematicamente bem, foram eles - mas é a forma como nos apresentam a esse teatro desta vez que nos espanta. Habituados que estamos ao rigor que o clássico exige e às poucas cedências a que costumam dar azo, parecia-nos quase natural que o teatro grego tivesse sempre algo de distante, de pouco próximo. O que era profundamente natural e causado apenas pela distância do tempo e pelas alterações culturais que essa mesma distância obrigava. Havia quase sempre, e não apenas nesta companhia, a sensação de que aquele teatro era muito bom mas, para a maioria, muito longe. Daí que A Cidade, conjugação de várias peças de Aristófanes, seja uma abordagem arrojada e dificíl. Ao trazer as peças de Aristófanes para a nossa linguagem, isto é ao modernizá-las, tem-se a vantagem óbvia da adesão e compreensão do público, mas arrisca-se a perder a essência do texto em modernimos excessivos ou, pior, a banalizá-lo.
Se é certo que a opção nem sempre resulta, é ainda mais certo que resulta quase sempre e que, fruto de um brilhante adaptação, cria momentos de verdadeira ligação entre o texto e o público, que provavelmente de outra forma não existiriam. Essa é a grande vitória de A Cidade, ter conseguido que um público não habituado a estes textos se ri-se de Aristófanes com naturalidade e com o mesmo coloquialismo com que se riria de uma comédia moderna. Para além de Luis Miguel Cintra, para além da tradução, para além do elenco, o grande culpado disso é Aristófanes. Os textos que nesta peça se compilaram falam de um elemento comum a todos os tempos. O homem a sociedade. Ou talvez apenas da socieade em si. Da forma como se constroí e, na maioria dos tempos, da forma como se destroí. Em A Cidade há guerra de sexos, há sexo, há intriga politica, há aproveitamento, há todo o tipo de construção social que ainda hoje é base para a grande maioria das comédias que, com maior ou menor qualidade, por todo o lado surgem. Isto prova tanto que as peças de Aristófanes são de uma modernidade que a tradução apenas evidenciou, mas essencialmente que o homem, em mais de dois milénios, pouco mudou.
Mas não foi apenas nesta adaptação pouco usual que Cintra arriscou. Há, em A Cidade, um compêndio de referências a géneros e a formas de fazer teatro - algumas até estão longe daquilo a que ele se tem debruçado - numa quase exposição sobre o tema - se bem que seja verdade que a duração da peça a isso se permite. A uma comédia mais fisica segue-se o musical, à revista opõe-se uma mais séria alegoria final, à distância do grego clássico contrapõe-se o calão de hoje. Não é um teatro de contradições, é um teatro de dialécticas. E talvez seja nesta linha que se entenda como Bruno Nogueira, Maria Rueff ou Gonçalo Waddington encaixam tão bem num elenco batido na contracena em comum como Márcia Breia, Luis Lima Barreto ou Ricardo Aibéo. Uma palavra para Bruno Nogueira, aquele que, de todos, provavelmente menos currículo e experiência de teatro teria mas que nunca o demonstrou. Pode-se argumentar que aquele é o seu registo, a comédia. Mas não é menos verdade que ser um actor é aquilo que ele fez. Usar o corpo em teatro é aquilo, perceber o registo e fazê-lo funcionar é aquilo. Outra palavra para Márcia Breia, pela estupenda arte de estar em palco sem estar, ou de estar constantemente em palco, ou ainda de monopolizar o olhar do público pela simples presença. Para Nuno Lopes, as palavras não chegariam. Uma vez mais.
Título: A Cidade
Autor: Aristófanes
Encenação: Luis Miguel Cintra
Elenco: Bruno Nogueira, Carolina Villaverde Rosado, Dinarte Branco, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Gonçalo Waddington, José Manuel Mendes, Luísa Cruz, Luis Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Márcia Breia, Maria Rueff, Marina Albuquerque, Nuno Lopes, Ricardo Aibéo, Rita Durão, Rita Loureiro, Sofia Marques e Teresa Madruga.

1 comentário:

Anónimo disse...

Por que nao:)