domingo, 23 de novembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


Entrei para ver Ensaio Sobre a Cegueira com o espiríto com que todos devemos entrar. De pé atrás, céptico e desconfiado. A adaptação de um livro como este só pode ser vista com alguma relutância e muita reserva. Não que Meirelles não seja um realizador de confiança - se ha alguém que nos últimos anos soube mostrar como a sociedade e o homem são negros foi ele, com a sua Cidade de Deus - mas o livro que aqui lhe confiamos é de uma profundidade e de uma clareza literária cujo resultado em filme, se não tratado com grande cuidado, só pode ser negativo. Não entrei com o intuito de poder dizer mal a priori, embora vontade houvesse, mas sim com o de poder ser o mais justo possível para com a expectativa.
O enredo de Ensaio Sobre a Cegueira é sobejamente conhecido. Uma cegueira branca abate-se subitamente sobre parte da população. Assustada e ignorante, a sociedade ostraciza estes cegos, remetendo-os para a mais desumana das condições numa espécie de asilo. Aqui se levantam as duas faces maiores do livro - sendo que apenas uma, em maior escala, é explorada no filme. A insanidade que a ignorância levanta no homem e a forma como o medo nos transforma em seres egoístas, tudo explorado numa noção de sociedade, é a face mais social que o filme não explora. Por outro lado, centra-se no lado mais humano do livro. A forma como, face às maiores adversidades, nos tornamos nos mais irracionais e primitivos seres. O homem na sua forma mais pura e verdadeira. A cegueira como motivo e como metáfora. Este é o enredo que o livro dá ao filme. O que não dá, nem pode dar, é uma estética literária e um saber que o livro nos transmite à medida que seguimos as personagens. É uma reflexão que não dura mais que uma ou duas frases. Podia Meirelles ter transformado isso numa visão pessoal do filme e expor-nos o seu Ensaio Sobre a Cegueira.
Optou por não o fazer. Ensaio Sobre a Cegueira é um filme fiel ao livro. Percebe-se na sua entrada e confirma-se no seu final, ambos literais. Funciona mutas vezes mais como homenagem ao livro de Saramago do que como objecto independente assinado por Meirelles. Tiremos o óbvio do caminho. O filme de Meirelles não cobre todo o livro, nem o podia fazer. Não explora recantos, não abre novas perspectivas de leitura, não reflecte por si nem diz nada de novo para além do livro. A opção de Meirelles foi expôr-nos o choque. Se Ensaio Sobre a Cegueira podia ser uma reflexão profunda, Meirelles optou por fazer dele uma critiíca social ao estilo de Romero. A exposição tenta ser violenta mas nem sempre o consegue. Quando o consegue, é brutal - como na cena carpideira entre as mulheres da camarata. Quando o não faz, o filme perde algum do interesse que o livro lhe proporcionou. Quanto à reflexão, esta é meramente sugerida - como na igreja.
E, apesar de tudo, como grande detractor em potencial, sinto-me compelido a dizer que o filme, de um modo que não percebo qual, me agradou de alguma forma. Desconheço se será a brilhante Julianne Moore, a óptima fotografia que no princípio se revela ou o fascínio do livro nobelizado. Há algo em Ensaio Sobre a Cegueira. Mas há muito mais do livro. Este é um dos filmes que teria de ser feito sobre ele. Faltam vir mais, esperamos. Versões mais pessoais e artísticas do livro. Para ver o livro, lemo-lo.


Título: Ensaio Sobre a Cegueira
Realizador: Fernando Meirelles
Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Danny Glover, Gael García Bernal e Sandra Oh.Brasil, Canadá e Japão, 2008.

Nota: 6/10

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá! Eu sou o Vítor Melo de Chaves.
Desde já, queria dar os Parabéns ao autor deste blog, pela qualidade dos conteúdos apresentado.
Os 2 blogs são:
- Grupo de Jovens Emanuel: http://gjemanuel-chaves.blogs.sapo.pt
- Aprender a brincar: http://ticegrupo12.blogspot.com/

O primeiro blog é de um grupo de jovens da Paróquia de Santa Maria Maior em Chaves. No blog divulga-se um pouco sobre o grupo, as actividades dele e outras coisas do género.
O 2.º blog divulgasse-se algumas sugestões de leituras; sugestões de actividades para crianças e educadores; projectos de solidariedade e um guia sobre a cidade de Chaves.
Caso me queira contactar, o meu e-mail é o seguinte: tice.vitormelo@gmail.com.

Agradeço pela atenção dispensada.
Cumprimentos Vitor Melo

B. disse...

Afinal menti.

Continuei a vir ler alguns textos aqui...

Este filme é estranho. O filme é muito bem realizado, a fotografia é fantástica, as interpretações são quase todas muito boas, a obra onde se baseou o argumento é do outro mundo... Mas... A preocupação do Meirelles em querer estar de fora daquilo, por não poder haver mais ninguém a ver senão ela, querendo um pouco tratar o filme como um "voyeur" por vezes pouco próximo, fez com que fosse um filme que se via bem em casa a comer uns snacks variados, com tempo para ir à casa-de-banho a meio sem meter pausa...

No meio de tanta coisa boa a nível técnico, o "tom" do filme a nível de disposição, não funcionou realmente...

Caramba... Não estava à espera...

Mas repito, grande realização, grande realizador...