quinta-feira, 13 de setembro de 2007

45 rotações #2 - Free Pop

Os Pop Dell'arte estão de novo na moda. Para quem franzir o sobrolho, atente-se na recente edição da colectânea Poplastik, que, como o nome de colectânea indica, traz de novo para a ribalta o que de melhor esta banda nos deu em vinte anos. Para além do cd, também o recente concerto dos Pop Dell'arte no lux, e o sucesso que muitos não previam do mesmo, comprova a grande influência da banda na cena musical portuguesa.

Falar do Pop Dell'arte é falar de João Peste. E falar de João Peste é ficar sem saber dizer nada. Personagem maior no conjunto de bandas que surgiram nos anos 80 por iniciativa das competições no Rock Rendez-Vous e personagem por vezes única nos Pop Dell'arte, é à volta deste homem que o som (?) dos Pop Dell'arte se cria. João Peste, a par talvez de Adolfo Luxúria Canibal, é mesmo a figura mais autoritariamente marcante daquele período e de um conjunto de bandas que, não ganhando o concurso, se distinguiam mais essas mesmas (Casos dos Pop Dell'arte, Radar Kadafi ou Mão Morta).

Inicialmente fundados por João Peste, Paulo Salgado, Ondina Pires e Zé Pedro Moura, a banda seria um constante rodopio de pessoas e muitas inimizades causadas pelo intempestivo carácter do líder, líder esse que era o grande resistente de todo esse movimento. Banda Pop, assumidamente Pop, por vezes acusada de ser Anti-Rock, os Pop Dell'arte percorriam caminhos perigosos e mal trilhados do Free-Pop e Alternative Pop, sem medo nem consciência, experimentando, criando, nitidamente não se preocupando com o efeito final da sua música. Havia que criar, havia que chocar e havia que chocalhar a Pop.

E, em 1987, surge Free Pop. O nome está, honra lhe seja feita, verdadeiramente bem escolhido. Aqui não se ouvem constrições nem restrições de qualquer espécie. Não há consciência, moral nem nenhum impedimento de fazer, perdoe-me o povo a apropriação expressional, o que lhes der na real gana. Free Pop foi, na altura, um cd controverso. Perdoem-me a falsa localização temporal. Free Pop é, hoje ainda e sempre, um cd controverso. Mas a verdade, e quem sabe se tal não aconteceu intencionalmente, foi essa controvérsia que alimentou o cd e os próprios Pop Dell'arte. Free Pop é um cd estranho. Podemos apelar à frase pessoana e cocacolística para apelar ao seu entranhamento, mas será sempre um cd não usual e de difícil audição. Atenção, que nada disto belisca, onde quer que seja, a sua qualidade.

Free Pop é um grande cd. Não será o melhor cd Pop pela razão que o torna grande. A liberdade, o estranho, o fantástico, o experimentalismo e a anarquia (Não será por acaso que os Pop Dell'arte bebem tanto da cena pós-punk). Tudo começa com "Berlioz", música de incontinência verbal com fundo enevoado de Pop sonâmbula e que abre, exemplarmente, o cd. Segue-se "Rio line", música mais melódica de imaginário circense, onde trapezistas e malabaristas cantam num inglês tribal os sonhos de João Peste. Em "Loane & Lyane N'oah", há algo de contrastantemente sedutor, entre o naif e o Rock pesadão, ritmicidade vocal ao som de guitarras simples, que parecem por vezes a bateria.

"Avanti Marinaio" são paragens distantes trazidas perto num cruzeiro febril e com pitadas de faroeste e Morricone, um duelo da pradaria em pelo oceano. "Dell'arte de m'enroque", segundo exemplo paradigmático do cd (já perceberam porquê) é o que se guarda de um filme de terror, aquelas imagens inconscientes que gravámos para mais tarde, ao som de risos sinistros, nos atemorizarem a meio da noite. Segue-se no caminho da liberdade com "Pi latão", pedaço rockeiro de uma existência entre a ópera e a febre (Febre parece ser, alías, palavra chave neste mundo de João Peste). Segue-se qualquer coisa com ar visceral e importante que dá pelo nome de "Turin Welisa Strada", mais um pedaço da surrealidade sonhadora e despreocupada que rege a não regência regente. E depois, "Bladin". "Bladin" é a música mais paradigmática de todo o cd. "Bladin, sangra por mim", diz-nos (sim, diz-nos, ou sussura-nos, ou murmura-nos, não se tratava de uma força de expressão...) João Peste num momento que remete para algo entre João César Monteiro e João Botelho em que Peste parece dizer "Who cares?".

Antes do momento mais genial, a curta e mexida "Poligrama". E por último, (haveria maneira melhor de terminar um cd chamado Free Pop?) "Juramento sem bandeira". Aqui grita-se, esbraceja-se, toca-se guitarra, chora-se, suplica-se, critica-se, canta-se (de quando em vez...), brinca-se com a voz, faz-se tudo, jura-se tudo, liberta-se tudo. Não sem antes, literal e prazenteiramente do nada, se cantar um pouco de "Take a walk on the wild side", de Lou Reed. O despertador toca e o, sem perjúrio, pesadelo Pop acaba. Para nós. Para João Peste ainda dura. Ainda bem para ele. Ainda bem para nós. Que se lixem as leis da Pop, as autoridades musicais. Isto é Free Pop. Isto é Free-Pop.

Título: Free Pop
Autor: Pop Dell'arte

Nota: 8/10

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