domingo, 11 de outubro de 2009

Abraços Desfeitos


A carreira de Almodóvar tornou-se um problema para o próprio. Todos citam dois ou três nomes como os seus grandes títulos, fala-se de algumas obras chave, mas é o somatório da sua carreira que construiu o monstro que é, agora, cada um dos seus filmes. Um novo filme de Scorsese não tem de ser especialmente inovador, basta-lhe uma certa pinta e a lembrança do antigamente. A um novo Woody Allen, para agradar à quase generalidade dos críticos, pede-se-lhe apenas que torneie a sua ansiedade num qualquer malabarismo bem pensado - uma bola de ténis numa rede, quiçá. A Almodóvar, exige-se tudo. A superação emocional a cada filme. Exige-se-lhe a originalidade da estética, a densidade emocional que ele confere às suas personagens e ao objecto final, e uma narrativa que nos prenda. Mas, às vezes, Almodóvar pode querer apenas fazer um filme.
O pacote de Suporte Básico de Almodóvar, chamemos-lhe assim, está lá todo. O poder das mulheres no (seu) cinema, Penélope Cruz filmada como só ele sabe, a homenagem ao cinema, a homenagem à cor, a metáfora e a narrativa à procura do passado. Mas, conceda-se a mão à palmatória, já o vimos mais eufórico. Já o vimos com uma mensagem. Noutros filmes - Má Educação, Tudo Sobre a Minha Mãe - pressentia-se a urgência nalgo para dizer. Noutros ainda, especialmente os primeiros, pressentia-se a necessidade de afirmação de um cinema de autor muito próprio, marcado por regras, por diálogos, por cores, por dinâmicas e por personagens-tipo muito próprias. Não só é normal que isto nem sempre surja, como é normal que a Almodóvar isto nem sempre apeteça. Daí que a toada crítica a abrir o caminho a Abraços Desfeitos como um filme menor - quem sabe a antever um percurso alleniano à coisa - seja claramente exagerada. Às vezes um filme, por mais belo, é apenas um filme.
Em Abraços Desfeitos, Almodóvar volta a algumas das suas mais antigas obessões. Duas são especialmente bem conseguidas - mesmo que o tenham sido ainda melhor noutros filmes seus. O passado como influência profunda do presente, ou a forma como o presente se percebe todo no passado, é recorrente na sua obra. A cada filme que passa, há uma obsessão contínua de começar no presente algo que se configura como incompleto e que só o passado pode explicar. Almodóvar podia fazer o filme no ontem ou centrar o filme no hoje. Mas é a consequência do primeiro sobre o segundo, mais do que a confrontação ou a necessidade narrativa, que verdadeiramente interessam. Outra antiga, e constante obsessão de Almodóvar, é o cinema. Aqui revisita-se também a si mesmo. Há mais Almodóvar naquela noção quase pirandelliana de filme dentro do filme do que no próprio filme. O ritmo do filme de Mateo é o de Almodóvar. Que o filme acabe com a reconstituição de um filme assim é merecido e sintomático.
Título: Abraços Desfeitos
Realizador: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Rubén Ochandiano, Blanca Portillo, Ángela Molina, Alejo Sauras e Lola Dueñas.
Espanha, 2009.
Nota: 7/10

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