quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sempre de Mim


Há qualquer coisa de diferente no Fado. Não falo na sua génese, da forma como se tornou uma metáfora e ao mesmo tempo um meio do sentimento português, nem do peso que ganhou no imaginário musical e social no país. Falo da individualidade que nele habita e que é, em última análise, uma das razões porque se torna tão pessoal, para quem canta e para quem ouve. A individualidade de quem canta. Há no Fado, por razões que desconheço, uma maior exposição de quem canta, o que se reflecte em quem ouve e sente, por isso, mais sua a dor - ou o que demais se cantar, se é que se canta algo mais - de quem canta. Por isso se torna tão crucial, mais do que na maioria das vezes, quem canta e como o canta.
Sete anos depois do último trabalho de originais, Camané volta a gravar um álbum seu. Seu no sentido de ser original e seu no sentido de ser pessoal. E é o seu percurso também que ouvimos na voz. Tornou-se provavelmente na melhor voz masculina nacional e, para tal, teve de amadurecer. É na voz que sentimos isso, não numa ruga na cara nem numa biografia que lemos. Tal como sentimos a voz que cantou Variações para os Humanos. Tudo junto torna possível que se cante, com a mesma graciosidade e força, mas com intenções diferentes, a frenética corrida de "Dança de Volta", a triste firmeza de "Sei de um rio" ou o mais melódico mas sentimental "Lembra-te sempre de mim".
Sempre de Mim já não é a consagração de Camané, essa aconteceu há muito e sabemos de antemão quem é, o que é e ao que vem. É Camané, a mais completa voz masculina do fado português que conjuga passado, presente e futuro desse género. Sempre de Mim também não é o álbum da vida de Camané, esse está ainda por vir. Serve apenas para nos recordar de tudo isto e dar-nos, entre poemas de Pessoa, Mourão-Ferreira ou originais de Alain Oulman mais alguns motivos para celebrarmos essa música que um dia tornaram nossa.

Título: Sempre de Mim
Autor: Camané

Nota: 7/10

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