terça-feira, 30 de setembro de 2008

Antes que o Diabo Saiba que Morreste


O cinema americano é, na maioria das vezes, feito de heroís e vilões. Não apenas quando se retrata em grandes heroís de animação - como o mais recente Cavaleiro das Trevas - ou quando se revê em grandes épicos clássicos, mas essencialmente no seu cinema do quotidiano. Por uma razão de empatia, pegando no público e deixando-o solidário e torcedor de uma personagem. Mas, essencialmente, porque a América pensa, de facto, assim. O Bem e o Mal. O Bom e o Mau. Julgou a América, e julga ainda, que as pessoas se dividem entre boas e más e que tal distinção é possível e executável. Notamo-lo na sua politica interna, reparamos na sua politica externa e temos confirmação no seu cinema. A América confia nas pessoas. Mas só em algumas. Sidney Lumet, não. Sidney Lumet não vê bons nem maus. Vê pessoas. E sobre estas tem uma visão desencantada e triste. Se as pessoas se dividem entre bons e maus, então somos todos maus.
Diz-se ainda, pelos dias que correm, que vivemos em tempos de crise. Crise de valores. Financeiros, imobiliários ou de outra espécie. Mas, acima de tudo, crise de valores morais. Cada vez sabemos menos quem somos. E, consequentemente, sabemos cada vez pior como agir. Antes que o Diabo Saiba que Morreste é constatação da perfeita lucidez de Lumet quando a tudo isto diz respeito. Chegamos a julgar estar perante uma tragédia grega. Irmão trai irmão; irmãos roubam pais; desenlace trágico, moral arruinada. No final, o destino encarrega-se de repôr um pouco de justiça, ainda que de uma forma retorcida. Excepto que na visão de Lumet, não se trata do destino, é a mera actuação das pessoas enquanto tal.
O oscarizado Philip Seymour Hoffman é Andy Hanson. Agente imobiliário extremamente necessitado de dinheiro, com uma casamento arruinado e dependente de drogas. A sua passividade é agressivíssima, a sua dor calada fere. Porque este é um filme que vive, quase exclusivamente, dos seus actores. E Seymour Hoffman é, a todos os níveis e como quase sempre, metodicamente impressionante, sem qualquer tipo de espalhafato. E há ainda Ethan Hawke, no papel do seu inseguro irmão; Marisa Tomei como sua infiel mulher e Albert Finney, seu pai, que se vê embrulhado num complicado dilema de solução impossível. Lumet brinca com a noção de tempo, mesmo que o enredo não o peça, e aumenta a noção de inevitabilidade. A vida é algo cada vez mais perigoso, cada vez mais complicado, cada vez mais inseguro.
Título: Antes que o Diabo Saiba que Morreste
Realizador: Sidney Lumet
Elenco: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei, Amy Ryan e Albert Finney
E.U.A., 2008.
Nota: 6/10

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