segunda-feira, 20 de agosto de 2007

35 mm #2 - O Desconhecido do Norte Expresso

O que há de tão genial em Hitchcock que o leve a ser genericamente aclamado? Não é o génio inovador de filmes como Vertigo, Os Pássaros ou Janela Indiscreta. Ou antes, não o é apenas. É acima de tudo a forma como consegue pegar numa história simples, numa realidade banal, e polvilhá-la de interesse e suspense. É isso que faz, magistralmente, em O Homem Que Sabia Demais. É isso também que faz, de forma mais subtil, em O Desconhecido do Norte Expresso.
A influência de Hitchcock faz-se sentir também nos pequenos pormenores que nos rodeiam hoje. A música que associamos a uma cena de suspense; o terror de pássaros; a sombra por detrás de um cortinado na banheira. Estas são imagens que o legado da genialidade de Hitchcock deixou ao imaginário cinéfilo e popular. Strangers on a Train, na versão original, traz-nos mais destes deliciosos pormenores. Tenham cuidado quando forem abordados por estranhos. Especialmente num comboio.
Guy Haines é um tenista famoso que está apaixonado por Anne Morton, filha de um senador. Contudo, é casado. É no comboio para a sua terra natal, quando se prepara para pedir o divórcio à sua esposa infiel, que conhece, ou é forçado a conhecer, Bruno Anthony. Bruno representa o vilão da história. Numa interpretação memorável de Robert Walker, pressente-se desde o primeiro instante a influência nefasta que Bruno terá sobre o protagonista da história. É no primeiro aperto de mão, representado com mestria, que se estabelece o contraste entre um homem reticente e um homem calculista.
Durante essa viagem, Bruno vai divagando e acaba por propor a Guy um negócio simples. Uma troca de assassínios. Guy mata o pai de Bruno e este mata a sua mulher, libertando-o para Anne Morton. Este é o ponto de partida para um história de conflito entre o Bem e o Mal onde estes estão bem patentes, não só nas acções das personagens, mas acima de tudo na sua caracterização, na profundidade que os actores lhe empregam. Esta é aliás uma característica de Hitchcock. A profundidade que as suas personagens sugam dos actores.
Guy vê-se arrastado para uma espiral de confusões, acusado da morte da mulher e contando apenas com a ajuda de Anne (Ruth Roman) e da sua irmã Barbara (Patrícia Hitchcock, filha do realizador). Tudo se desenrola num tom explicativo, mas vivo, à volta de Guy, representado por Farley Granger. Tudo até a um culminar vertiginoso que tem início num jogo de ténis contra o tempo e culmina numa memorável viagem de carrossel. O cinema de Hitchcock é feito de pormenores.
Pormenores que devemos saborear são o que rega esta película com duas versões (uma para Hollywood e outra com ligeiras diferenças, dita inglesa). Começando pela morte de Miriam Haines, a mulher de Guy. Estrangulada, num simbolismo que se repercutirá no desenrolar do filme, a sua morte é vista pelo reflexo dos seus óculos, um objecto que servirá de ponto partida para o desenrolar favorável da acção. Servem também para questionar a moralidade de Bruno. Aparentemente frio e implacável, Bruno revelará perante os óculos uma fragilidade moral expressa também nalgumas das suas falas.
Tudo o mais, são isso mesmo, pormenores, tipicamente Hitchcockianos que devemos saborear lentamente. A música, o ritmo do filme, as reviravoltas do enredo, a importância da mente da personagem e o suspense, sempre o suspense. Notável como, mais de 50 anos depois, percebemos a enorme influência do realizador nos filmes do género. Este nem é do melhor Hitchcock. Mas Hitchcock é mesmo do melhor que temos.
Título: O Desconhecido do Norte Expresso
Realizador: Alfred Hitchcock
Elenco: Farley Granger, Ruth Roman, Robert Walker, Leo Carroll, Patricia Hitchcock e Kasey Rogers.
E.U.A., 1951.
Nota: 8/10

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