quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A Bússola Dourada


Com A Bússola Dourada consigo algo que não havia conseguido, desconheço ainda se feliz ou infelizmente, com O Senhor dos Anéis ou com Harry Potter. Ver o filme sem ter lido o livro. Vantagem teórica para o filme, a priori. Ou não fosse regra geral os livros serem melhor que os filmes. O que faltasse em percepção inicial da realidade seria compensado na ausência de preconceitos sobre as personagens, o enredo ou as cedências do realizador.

Uma criança vê cair sobre si, subitamente e sem que para isso estivesse preparada, o destino de uma guerra entre o bem e o mal. Para cumprir o que mais tarde se descobre ser uma profecia sobre si, esta criança vê-se ajudada por um conjunto de personagens bem diferentes da realidade a que está habituada. Tudo isto enquanto nós, os espectadores, somos introduzidos num mundo de fantasia, bem diferente da nossa, mas onde abundam as analogias com a realidade. Onde é que eu já vi isto?

Qualquer semelhança com a trilogia O Senhor dos Anéis ou Harry Potter não é pura coincidência. É a base deste filme. Sem qualquer ideia de novo, sem chama ou fogo, sem nada de proveitoso que não a repetição de uma ideia já usada e reutilizada e usada uma outra vez. Tudo, em A Bússola Dourada, é uma penosa repetição de um quadro que já vimos melhor feito, que já gostámos mais e que já nos empolgou verdadeiramente. Tudo é demasiado óbvio, o enredo é demasiado escancarado, a trama perde-se (culpa a atribuir ao realizador e não ao autor), as analogias com a realidade são de uma previsibilidade estarrecedora e as semelhanças com os filmes citados davam um livro.

Lyra Belacqua é a criança que possui um aletiómetro, a tal espécie de bússola dourada, objecto que consegue ter constante percepção da verdade e que uma organização, o Magisterium, quer ver em seu poder. Quem fala de um aletiómetro facilmente poderia falar de um anel ou de uma cicatriz, tudo formas do mal, seja o Magisterium, Sauron ou Voldemort, se meter com o nosso herói e querer-lhe tratar da saúde. Seja ele uma criança ou um hobbit. A tudo isto junte muita magia, numa escola, Terra Média ou em Svalbard. Junte um amigo ou outro – Roger, Samwise Gamgee ou Ron Weasley –, junte uma imagem paternal – Lorde Asriel, Gandalf ou Dumbledore –, junte personagens de fantasia – feiticeiros, feiticeiros ou feiticeiros – e tem, sem grande problema, um filme para lançar no próximo natal.

Mas se a história não é, em si, grande ajuda para o realizador de American Pie (não sejamos preconceituosos), a verdade é que este torna-a desastrosa. Não percebendo, como Jackson ou os irmãos Wachowski perceberam, que cada filme numa trilogia pode e deve ter a sua individualidade, Weitz dá-nos uma abertura ao filão, sem qualquer respeito pelo filme em si ou pelo seu cartaz. À excepção de Nicole Kidman, ainda assim subvalorizada, os principais cabeças de cartaz são meros adereços que raramente temos oportunidade de ver e que em nada valorizam o filme, funcionando apenas como atracões para este e os futuros filmes. O único ponto positivo de Weitz é não perder tempo com explicações desnecessárias sobre o meio em que tudo decorre, deixando o filme falar por si.

De A Bússola Dourada esperava-se mais. É esse o desalento. Não se trata de um terrível filme nem de uma desesperante perda de tempo. É apenas pouco. A dúvida é saber se A Bússola Dourada se contenta em ser um blockbuster de natal, puro entretenimento de criança e sua bem disposta família; ou se, como os pergaminhos do escritor e da história mais elaborada do que as suas congéneres (ler: livre arbítrio e opressão religiosa como procura do bem e face do mal) faziam suspeitar, se quer aventurar para caminhos mais sérios. Pelo primeiro capitulo, é apenas uma brincadeira de crianças.

Título: A Bússola Dourada
Realizador: Chris Weitz
Elenco: Nicole Kidman, Daniel Craig, Dakota Blue Richards, Ben Walker, Nonso Anozie, Eva Green e Jim Carter
E.U.A. e Reino Unido, 2007.

Nota: 4/10

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