quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Evil Machines


Dizem que a História acabou. Que o século XX representa o fim dos movimentos, correntes e revoluções; que se atingiu uma espécie de estádio imperfeito na substância mas inabalável na estrutura; que só nos resta permitir que o espírito do tempo nos consuma. Mas este ar resulta tão indefinido, tão descaracterizado, tão desalmado, que mesmo a mais persistente busca corre o risco, sendo porventura virtude, de resultar em devaneio, em fuga, em inquietação. Independentemente de residir neste divórcio uma das fontes naturais da dita arte moderna, as manifestações artísticas parecem ser cada vez mais refrigérios e, saída da constelação de expressões distintas, o riso um meio muito peculiar de alívio e consolo.

Admita-se, no entanto, a existência de retratos desenhados para um universo que por vezes não reflectem muitas das suas particularidades, e resulta daqui que esta névoa, este cinza (fosse antes um claro-escuro) esconde uma gama de pequenas tensões e receios que são sentidos de maneira mais ou menos velada. Muitos humoristas fazem da exploração destes sentimentos a obra da sua vida e transformam a imitação, o exagero, a repetição e a ironia em ferramentas de um ofício maior que é esconjurar estes males.

Um dos medos mais firmemente enraízados no imaginário actual é o que se prende com a evolução tecnológica, tendo sido explorado de diferentes formas ao longo do último século. Embora exista uma certa diversidade, sempre que se acentua a vertigem dessa evolução um fim catastrófico emerge quase imediatamente: a subjugação do homem face às máquinas, quer pela força quer pela inteligência. Quando pensamos que Evil Machines podia ser disto a milésima versão, somos surpreendidos pela subtileza do seu autor, Terry Jones, um dos membros dos Monty Python.

O aspirador, a grande ameaça das máquinas, é, conceptualmente, o electrodoméstico que pela sua função representa o terror humano face à não existência, metaforicamente contido na aspiração. Estabelecido o medo que dá coesão à história, pode enfim começar a verdadeira comédia: em Evil Machines a dominação mundial que as máquinas congeminam é o fio da história, mas o que Terry Jones pretende parodiar é, não a velocidade de inovação tecnológica, mas o absurdo ritmo de obsolescência, traduzido na revolta das máquinas ultrapassadas: a batedeira odalisca, a vespa ou o protótipo de avião que nunca descolou. Em última análise, o cientista é quem sai menos ileso, pois ao ver-se arrastado na busca desenfreada de novas máquinas perde-se em pesquisas totalmente irrelevantes e, previsivelmente, descura a sua vida pessoal.

O espectáculo, no seu todo, sustenta-se tanto no texto e encenação de Terry Jones, como na música de Luís Tinoco e nos figurinos de Vin Burnham. Obra notoriamente híbrida, Evil Machines escapa habilmente à catalogação, pondo inclusivamente a nu os mecanismos de metacomunicação teatral. A peça vale muito pelas suas transgressões, mas mantém um tom bem-humorado sem degenerar em histeria, revelando um equilíbrio que nos permite ficar quase sempre infantilmente entretidos. Talvez os homens não temam as máquinas, mas temam os híbridos – e possa daí nascer o riso.

Título: Evil Machines
Música Original: Luis Tinoco
História: Terry Jones e Anna Soderstrom
Encenação: Terry Jones
Elenco: Ana Paulo Russo, Ana Quintans, Carla Simões, Fernando Guimarães, João Oliveira, João Martins, João Merino, José Lourenço, Marco Alves dos Santos, Mário Redondo, Raquel Camarinhas e Sara Simões.

(Crítica por Pedro Teixeira.)

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