quarta-feira, 9 de abril de 2008

Corações


Será sempre difícil classificar um filme como Corações. Como julgar um filme que é um pouco de tudo, não chegando nunca a ser, a fundo, nada? Dificil é, à partida, enquadrar num género este filme de Alain Resnais, nome da chamada nova vaga francesa. É dono de momentos de extremo sentido de humor, mas está longe de ser uma comédia. Fala-nos da desilusão e da falta de esperança das relações humanas, mas não é, salvo nos momentos finais, uma verdadeira tragédia. Tão pouco será uma tragicomédia. Nem ainda, apesar de relatar as relações na sociedade moderna, chega a ser um filme ligeiro.
Baseado na peça Private Fears in Public Places, de Alan Ayckbourn, Corações parece embarcar, a princípio, numa toada bastante comum no cinema actual: a manta de retalhos humana e relacional, que os tempos pós-Magnolia tornaram banais e a época pós-Colisão tornou praticamente esgotada. Mas Corações não se limita a este formato, nem se acomoda a ele. Serve-se dele. Não é um filme linear como os dois citados - esqueçamos a chuva de sapos de Thomas Anderson - mas é, pelo contrário, um filme com mais poesia que realidade. As personagens são mais metáforas e menos personagens simbólicas. Porque é de metáforas, como a da neve, que vive a exploração destas personagens por parte de Resnais. De metáforas e de ligações inortodoxas.
Um homem vive com a sua irmã numa relação frutífera para análise psicanalista e de contextos maternais. Esse homem vende apartamentos e ganha uma atracção erótica pela sua colega de trabalho, uma estranha mulher. A sua irmã vive de casos infrutíferos e casuais e, uma noite, conhece um homem diferente. Esse homem, para além do seu problema com o àlcool, projecta as atenções que perdeu da sua mulher no empregado de um bar. Esse empregado contrata uma mulher para ajudar o seu pai. Essa mulher, a mesma estranha mulher sedutora do início, é uma falsa-beata, entre o céu e o inferno, metade anjo metade mulher, misteriosa e submissa e que se assume como uma católica devota e sofredora.
Confuso, sim, como um novelo. Destas seis personagens, que rodam entre si as suas atenções, nasce o universo de Corações. Ou da falta deles. Em Corações tenta-se provar que as relações humanas, quando gastas, dificilmente se restauram. Prova-se que o ser humano não tem a tendência de perdoar. Tem a tendência de perpetuar a dor, de a explorar e de a provocar no outro. Tem a tendência da inconsequência e da não fruição de sentimentos, por oposto à sensação fugaz. Pode ter, ou não, razão. Não é, decerto, o primeiro a tentar. Mas explora tudo isto bastante bem.
Título: Corações
Realizador: Alain Resnais
Elenco: Sabine Azéma, Isabelle Carré, Laura Morante, Pierre Arditi, André Dussollier, Claude Rich, Lambert Wilson.
França, 2008.
Nota: 6/10

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