terça-feira, 29 de setembro de 2009

Séraphine


A vida de Séraphine Louis, conhecida por Séraphine de Senlis, dava um filme. E um livro. Aparentemente, a polémica em curso é que o livro e o filme não são assim tão pouco aparentados e, tendo em conta que Séraphine foi dos filme mais vistos do ano, suspeita-se que a parte envolvida no livro vá atrás dos dividendos. Quem ligava pouco a dinheiro era Séraphine, mulher simples e dedicada à lavagem da roupa alheia. Nos poucos tempos livres, utilizava flores, sangue e azeite para produzir tintas e com estas pintar os quadros. Mais tarde haveria de incluir o estilo naif. Alheias a isto tudo eram não só a própria Séraphine mas também os aldeões que partilhavam a sua vida, desde a sua patroa até ao dono da drogaria. Todos menos Uhde, um marchand alemão que se vê a alugar uma casa cuja empregada era não mais que Séraphine. Todo o filme, esta breve sinopse e o mais que se segue, não vai muito além da biografia de Séraphine. A sua pintura, a sua loucura e o consequente internamento e a sua relação com Uhde e a família deste. A história não é difícl de contar.
Não espanta por isso que Provost o tenha sabido fazer com académico e regular desempenho. A parte do filme que se baseia estrictamente nesta biografia - e não é pouca - passa por isso com naturalidade, não incomoda ninguém, mas também não entusiasma. Tem a feliz particularidade de saber fugir do telefilme - o maior risco nisto das adaptações da vida dos artistas e dos famosos. Depois há a costumeira e necessária integração histórico-coisa, ou não fosse a vida de Séraphine atravessada por períodos cruciais da história mundial. A I Guerra passa de raspão, o crash da bolsa de 29 acerta-lhe mais em cheio quando não pode comprar o vestido para a dama de honor. Tudo bem, aceita-se e a função está cumprida - ainda que a própria Séraphine nunca dê muito bem por isto passar. Depois, na tradição habitual da biografia cinematográfica, faltava ainda a crítica social. Ela está lá. lembra um mau Proust, mas faz o essencial - a diferença entre a burguesia armada em artista e a artista desaburguesada. Há ainda tempo, já a caminho do fim (e caminhar para o fim, neste filme, não é coisa fácil) para o inevitável momento de loucura, transversal ao talento e muito presente na vida da dita Séraphine. De momento, nada mais me ocorre de obrigatório no género mas, se o houver, estou certo que Provost incluiu.
Séraphine é uma bonita e até bela homenagem à própria. E, acima disso, à sua pintura. É aqui que o filme se ultrapassa. Quando se aproveita das pinturas da sua musa e as deixa trabalhar em cinema. Talvez guiado por esta inspiração - ou, quem sabe, talvez oiça também umas vozes do além - Provost é capaz por vezes do belo. Na paisagem sobretudo, consequência natural da vida e da pintura de Séraphine. Se, em vez de ter sucumbido à necessidade aparente de acorrer a todos os clichés do género, atendesse mais à pintura de Séraphine ou à sua relação com a cor, este podia ser um outro filme. Assim é só mais uma homenagem engraçada e meia bela a um bom artista, que se perde e nos perde no meio da sua duração exagerada - não em tempo, mas em lentidão.
Título: Séraphine
Realizador: Martin Provost
Elenco: Yolande Moreau, Ulrich Tukur e Anne Bennent
França, 2008.
Nota: 6/10

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