sábado, 28 de novembro de 2009

Breve Sumário da História de Deus


No primeiro trabalho como director artístico, a escolha de Nuno Carinhas recai sobre Breve Sumário da História de Deus. Esta não é uma escolha inocente e, em si, resume muito do que se passa no TNSJ. Primeiro, é uma peça portuguesa, e demonstra uma intenção da parte da direcção artística de trazer mais dramaturgia portuguesa ao principal palco do Porto. Depois, mantém continuidade, lógica e expectável, com o passado recente do TNSJ ao trazer de novo uma temática religiosa. E, por último, escolhe um texto arrojado e difícil. Tudo o que um teatro nacional deve ter. Qualidade, politica de continuidade e arrojo. O desafio de Nuno Carinhas é grande porque o TNSJ tem-se assumido como um dos principais teatros do país. Mas o resultado, sem surpresa e até ver, são coincidentes. Breve Sumário da História de Deus é um espectáculo ímpar com uma qualidade que raríssimas casas em Portugal poderiam ostentar. Para além dessa qualidade, mantém uma óbvia paixão pela novidade que, nos teatros consagrados da capital, muitas vezes escasseia.
O texto de Gil Vicente nem sempre é fácil para o público. A sua linguagem quinhentista é-nos distante. Se nos diálogos corridos não encontramos problemas, alguns dos extensos monólogos com que Gil Vicente nos prendou nem sempre se revelam cativantes, se perceptíveis. Mas o texto de Gil Vicente é, antes de mais nada, teatro de Gil Vicente. Onde a crítica social se mascara na história religiosa (o já clássico "a rir se castigam os costumes"), contada com maior ou menor rigor bíblico. Breve História Sumário da História de Deus dispensa síntese porque o nome fala por si. De Adão a Abraão, de Moisés a Cristo, a história resumida de Deus conta-se através do homem, torturado pelo Tempo e pela Morte.
O melhor da encenação de Carinha é o conceito. A percepção clara de que este é um texto que caminha para uma misticidade. E é isso que Carinhas nos oferece. Uma experiência mística, quase como uma missa, no conceito mais primordial do termo. Uma reunião de crentes para uma celebração, exaltação e superação. Mas, em vez de deus, com o teatro. Se uma missa é uma encenação, a de Carinhas é-o magistralmente. A dificuldade do texto combate-se com o espanto visual - e repare-se o quão próximo isto é conceptualmente de uma missa da época, com os seus incompreensíveis textos em latim lidos numa cénica pomposidade. Cedo se percebe que a luz - muitas vezes usada metaforicamente como A Luz - tem papel crucial na criação da aura, de perto ajudada pela banda sonora assumidamente proto-épica. Toda a encenação nos enreda, nos prende, nos torna crentes. Não há um teatro de verdade, e o realismo não é para ali chamado. Há um chamamento religioso ao público. Para isso, tudo é trabalhado em uníssono. Não há protagonismos. Quando se precisa que um actor serpenteie em palco com uma maçã em palco isso surge. E quando dá jeito que a morte pareça realmente a morte, é o que acontece. O resultado é, antes de tudo, belo. Como se viesse de deus.
Título: Breve Sumário da História de Deus
Autor: Gil Vicente
Encenação: Nuno Carinhas
Elenco: Alberto Magassela, Alexandra Gabriel, António Durães, Daniel Pinto, Joana Carvalho, João Cardoso, João Castro, João Pedro Vaz, Jorge Mota, José Eduardo Silva, Lígia Roque, Mário Santos, Miguel Loureiro, Paulo Calatré, Paulo Freixinho, Pedro Almendra e Pedro Frias

1 comentário:

Anónimo disse...

odiei de morte este espectaculo, que grande seca