quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

45 rotações #5 - O Monstro Precisa de Amigos


“Chegámos ao fim da canção
E paro um pouco para dormir”

Como é óbvio, começamos pelo fim. “Chegámos ao fim da canção”, ouve-se por altura da última faixa, “Fim da Canção”. Não mentem. Esta é, de verdade, apenas uma canção. Tão somente isso. Rock, Punk, Hard-Rock, Poesia, balada, melodia, explosão, ir e voltar. Tudo isto numa canção. Que são no fundo treze, mas isso não importa. Bem-vindos a um dos melhores álbuns portugueses da década de 90.
Em 1997, Cão já deixava antever uma inovação acima do normal, mas quem seria capaz de adivinhar que o diamante se poliria tão rapidamente? É fácil, dirão agora. Bastava ouvir “A Dama do Sinal”, “Bigamia” ou “Mata-me Outra Vez”. E têm razão. Estava tudo lá.
Chegou então o ano da graça de 1999. Bendito seja. Este é também o ano em que colaboram com uma versão de “Circo de Feras” para o cd XX Anos XX Bandas, tributo aos Xutos&Pontapés. Mas é, acima de tudo, o ano de O Monstro Precisa de Amigos, um disco revelador. Revelador de uma banda que criaria um público fiel à sua força. Revelador de um poeta na sua maior expressividade musical. Revelador de alguns dos melhores músicos da sua geração. Revelador de parte da música portuguesa desta década.
Relembre-se que se trata apenas de um álbum de canções. Das últimas vezes que escrevi isto de um álbum foi sobre Todos os dias fossem estes outros, de Nuno Prata. Coincidência? Talvez. A formação dos Ornatos Violeta incluía Manuel Cruz, Peixe, Kinorm, Elísio Donas e Nuno Prata. Esta é a grandeza de O Monstro Precisa de Amigos. É um salto enorme em relação a Cão e é uma catapulta, hoje notória, para o que dali sairia. Manuel Cruz e Peixe seguiriam para os Pluto. Manuel Cruz seguiria ainda para os Supernada. Nuno Prata lançaria este ano o seu prometedor trabalho a solo. Falta ainda Manuel Cruz na versão a solo. Está próximo, sob o nome de Foge Foge Bandido.
“O que eu quis mostrar ao mundo
era tão forte e tão profundo.
Eu quase me afoguei na emoção.”
Em O Monstro Precisa de Amigos há uma explosão confluente de influências e experiências. Há a mais terna e melancólica balada Pop-Rock dos anos 90. Há a irreverência própria de uma juventude que insiste em gritar, estilo Arctic Monkeys. Há a faceta mais Hard-Rock dos Xutos, o mais profundo de uma letra de Jorge Palma, o lado mais negro dos Smashing Pumpkins. Tudo num mundo paralelo, que é no fundo o mesmo, onde a poesia é rainha e senhora. É um álbum de canções porque a excelência da palavra assim o permite.
Abre com “Tanque”, primeira prova de que a poesia é a força motriz de todo o álbum. “Se uma vida não chegar / Hei-de ter cem vida mais / Quantas mais ditar o coração”. Estamos conversados. Segue-se “Chaga”, banda sonora de uma perseguição alucinante. Scorsese em melodia romântica. Segue com o mesmo ritmo “Dia Mau”, onde se fala dos efeitos secundários da poesia (sempre com músicas curtas, como se pede a uma canção, sempre por volta dos 2/3 minutos). “Para nunca mais mentir” seria uma boa música se não antecedesse uma música enorme. “Ouvi Dizer”, em dueto com Vítor Espadinha, é um momento alto da canção portuguesa. Poesia com alterações de ritmo. A languidez melosa da voz de Cruz a arrastar-se a caminho da raiva, a forma que arranjou de nos pagar. Nós agradecemos. Ainda é possível sofrer de amor com qualidade.
A sexta faixa apresenta-nos um dueto com Gordon Gano, vocalista dos Violent Femmes, em “Capitão Romance”, outro ponto alto desta grande canção que é este monstro. “Pára de olhar para mim” é feita daquela essência sonora que caracteriza os Ornatos Violeta e fez deles um marco. “Dá-me a tua mão / E vamos ser alguém / A vida é feita para nós” ouve-se em “O.M.E.M.”, Operação Minimização do Ego Maximizado. “Acordar é bom. Mais fácil é dormir”. Mais poesia pela voz do suspeito do costume.
Delicodoce vem, de mansinho, “Coisas”, por altura da qual tudo isto se começa a tornar num grande livro de poemas, uma única e coesa canção. Melodicamente vemos a voz de Cruz empurrar-nos, sem o percebermos, para “Nuvem”. Começa a preocupar-nos que tudo isto faça sentido. O conjunto, o álbum, a melancolia, a qualidade. Não interessa. Já à espreita está “Deixa Morrer”, que aparece assim, acendendo uma luz. Sol de pouca dura. “Notícias do Fundo” antecedem “Fim da Canção”. Aqui ouve-se que “A dor chegou para ficar” Com um cd destes, não admira.
É, sem mentira, um Monstro de que aqui se fala. Pela positiva. Um monstro da música portuguesa. E ainda bem que ele precisa de amigos. Nuno Prata e Manuel Cruz têm-lhe dado alguns bons amigos. Esperemos ansiosamente pela proliferação da amizade.
“Foi tão bom
Para ti
Como foi para mim?”
Foi com certeza.

Título: O Monstro Precisa de Amigos
Autor: Ornatos Violeta

Nota: 9/10

1 comentário:

Mario Rui disse...

E uma critica ao Foge Foge Bandido?