segunda-feira, 2 de julho de 2007

1970


“A geração com quem eu vivi a adolescência caracterizou-se essencialmente por uma falta de ideais. Foi uma geração que investiu muito mais numa certa gratuitidade do lúdico e numa absolutização absurda de quasetudo, porque cresceu encravada num hiato histórico que foi o fim da Revolução que não chegou a "revoluir" e o começo do desenvolvimento social caracterizado mais uma vez pelo mimetismo da economia de mercado que se estava aos poucos a implantar.” em Rascunho

A ligação entre Portugal e Brasil, musicalmente falando, nem sempre tem sido das melhores. É cada vez mais o que se importa e, aos poucos, o que se exporta. Mas importar nem sempre é importar bem e a amalgama brasileira que invade o espaço radiofónio nacional, entre samba, pagode e música de sertanense apaixonado, nem sempre abona a favor do Brasil. Mas, louve-se o senhor, há males que vêm por bem. Com eles chegam também Tropicália, MPB e uma carrada de bons nomes, entre mais velhos e recentes.

JP Simões é a prova viva de que esta reciprocidade musical pode dar bons frutos. Fazia falta, convenhamos. Não chegavam versões pouco convincentes de clássicos brasileiros por Tim e Rui Reininho. Era preciso construir um edifício sustentado de música original e de qualidade, cujos alicerces fossem, claramente e sem escamotear, do melhor que a música brasileira tem para oferecer. Ele aí está.

João Paulo, vulgo JP, Simões é o nome por detrás de 1970. Esta não é apenas a data do seu aniversário. Esta é uma data a que não serão alheios os seus conflitos geracionais, a música portuguesa da década de 70, a evolução histórica recente nacional e, principalmente, a cultura musical do Brasil. São vários os nomes que despontam mentalmente ao ouvir 1970. José Mário Branco, Caetano Veloso, Zeca Afonso ou Tom Jobim estarão certamente lá. Mas nenhum será tão instantâneo e constante como Chico Buarque.

É neste constante paralelismo referenciado com Buarque que melhor se percebe este já chamado lusosambismo. Mas aqui ouve-se mais ainda do que isto. Ouvem-se as experiências passadas de JP Simões, com especial destaque para Quinteto Tati. O mais, como sempre com JP Simões, é poesia. Poesia que é tanto expressa na forma de uma melodia simplesmente construída, como na sua forma mais prosaica, em belos e melancólicos versos. JP Simões consegue assim a proeza de burilar um álbum essencialmente brasileiro feito à medida de uma voz portuguesa.

Um apartamento na Baixa de Lisboa com vista para o Rio de Janeiro. Cheio de fumo, savoir faire, livros de Sartre e samba a tocar. É este o contexto musical de 1970. Quer na reflexivamente intimista “Inquietação”, quer na geracional “1970 (Retrato)”, quer na dolorosa “Se por acaso (me vires por aí)”. JP Simões há muito que se afirmara como um dos principais rostos da música portuguesa, sempre escondido por algum acompanhamento em forma de banda, mas sempre também expondo uma irreverência poética que se revelava socialmente saudável. Agora, a solo, esvaiem-se as dúvidas que já não havia. Este é um rosto de uma geração.

Título: 1970
Autor: JP Simões

Nota: 7/10

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei do que você escreveu. Principalmente quando escreveu
"Um apartamento na Baixa de Lisboa com vista para o Rio de Janeiro".
Sou uma brasileira de 20 anos de idade, que busca uma MPB como antigamente, uma Elis, um Caetano, um Tom e um Tim.
Falo por mim e mais alguns aqui e ali, que não andam na moda do Brasil só ouvindo o que alguns chamam de "sertanejo" e outros (e Deus sabe como espero que eles estajam errados) de "nova MPB".
Esse tipo de música, que chamo eu de "sertanejo" é algo incompreensível para meus ouvidos. Como pode um país que já teve Tom Jobim, hoje ouvir "sertanejo"???
Bem que dizem: tem gosto pra tudo!!!